Título: CHINA CEDE E YUAN SOBE
Autor: Gilberto Scofield e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 22/07/2005, Economia, p. 23

País atende a reivindicações de EUA e Europa e moeda oscila depois de 10 anos

Numa decisão histórica, o governo chinês anunciou ontem que vai mudar seu rígido regime cambial, que mantinha o yuan numa cotação fixa atrelada ao dólar há dez anos. O Banco Popular da China, o banco central do país, valorizou a moeda chinesa em 2,11%, para 8,11 yuans por dólar, depois de uma década valendo 8,28 por dólar. O governo manteve a estreita banda de flutuação do câmbio, de 0,3%. Mas inaugurou uma nova fase no país: a partir de amanhã, o yuan passará a ser corrigido por uma cesta de moedas internacionais em lugar de apenas pelo dólar, como ocorria desde 1995.

Apesar da valorização do yuan ter ficado aquém do esperado pelo mercado - que projetava uma alta de pelo menos 5,7% - a adoção da cesta de moedas foi comemorada. A China vinha sendo pressionada há anos pelos países ricos para mexer na sua moeda. O tema era recorrente nos encontros do G7 (grupo dos países mais industrializados do mundo) e nas reuniões do FMI. EUA e União Européia (UE) apontavam o yuan artificialmente depreciado como uma arma comercial injusta, pois barateava as exportações chinesas.

- As razões são políticas e os chineses querem na verdade ganhar tempo nas discussões comerciais com os EUA - disse o estrategista-chefe de câmbio do Morgan Stanley, Stephen Jen, à Bloomberg News.

Greenspan: medida é primeiro passo

Mais do que apenas no comércio, a mudança no yuan muda as perspectivas para o conjunto da economia global, criando um cenário mais estável para os próximos meses. Segundo Darwin Dib, economista sênior do Unibanco, havia um temor de quedas bruscas do dólar frente ao euro e ao iene, como ocorreu no fim do ano passado, devido ao enorme déficit nas contas externas americanas. Como a moeda chinesa era fixa, o ajuste do dólar ocorria às custas das economias européia e japonesa:

- Agora, o ajuste americano pode ocorrer de modo mais equilibrado.

Os efeitos da mudança foram imediatos no mercado financeiro. O dólar caiu frente às principais moedas do mundo e, no Brasil, recuou 0,51%, fechando a R$2,357. A China é um grande comprador de títulos do Tesouro americano. Agora, com a perspectiva de que tenha saldos comerciais menores e de que vá ajustar suas reservas cambiais à nova cesta de moedas, os títulos americanos caíram. Os papéis de dez anos, que na véspera pagavam juros de 4,16%, fecharam a 4,27%. O governo chinês, porém, negou que vá reduzir a compra dos papéis americanos.

A reboque dos títulos americanos, os bônus da dívida de países emergentes recuaram. O Global 40, brasileiro, caiu 0,51%. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou em alta de 0,54%.

O economista Alexandre Póvoa, do Banco Modal, acredita que a valorização do yuan pode elevar os preços das commodities, já que a China é grande compradora desses produtos, o que beneficiaria o Brasil.

Para os chineses, o novo câmbio ajuda a segurar a inflação em meio ao acelerado crescimento do país. Com exportações um pouco mais caras e importações mais baratas (especialmente de petróleo e carvão), os preços internos tendem a ceder. Mas não haverá mudanças drásticas: "O Banco Popular da China é responsável por manter a yuan estável para garantir o equilíbrio da balança de pagamentos e salvaguardar a estabilidade macroeconômica e financeira", diz o BC chinês em seu site.

Não se sabe exatamente qual cesta de moedas será usada, mas a central de negociação de moedas de Hong Kong, que ainda é parcialmente independente da China, já anunciou a inclusão, além do dólar americano, do dólar de Hong Kong, do iene japonês, da libra inglesa, do franco suíço, do dólar australiano, do dólar canadense e do euro.

- A maior flexibilidade cambial é de interesse da China, pois garante independência monetária - disse Thomas Dawson, porta-voz do FMI.

A medida também foi elogiada pelo secretário do Tesouro americano, John Snow. O presidente do BC americano, Alan Greenspan, disse ontem que a valorização do yuan era "um bom começo" para que a China fique mais alinhada ao resto do mundo.

- Vejo isso (a flexibilização) como um primeiro passo de uma série de ajustes maiores - disse Greenspan.

- A decisão dá à China muito mais flexibilidade - lembrou David O'Rear, economista-chefe da Câmara de Comércio de Hong Kong.

O presidente do BC brasileiro, Henrique Meirelles, também considerou a decisão positiva:

- Não há dúvidas de que o mercado chinês está se abrindo e a China aos poucos está se preparando para dar mais um passo em direção ao funcionamento de mercado.

(*) Correspondente, com agências internacionais

como isso afeta sua vida

Uma forte valorização da moeda chinesa teria como principal conseqüência a queda das exportações do país. Quando o yuan sobe, as mercadorias locais se tornam mais caras, em dólar, para o resto do mundo. Até quarta-feira, cem dólares compravam 828 yuans. Desde ontem, compram 811. Por ora, a alta de apenas 2% do yuan não deve impactar significativamente as vendas da China ao exterior. Mas, se o processo se acentuar, brinquedos, roupas, tênis, eletrônicos e demais produtos e matérias-primas lá fabricados vão subir de preço, inclusive no Brasil. Por outro lado, as exportações brasileiras ficam mais competitivas e podem ser beneficiadas.