Título: COLA ELETRÔNICA NA PROVA PARA A OAB
Autor: Elenilce Bottari e Ronaldo Braga
Fonte: O Globo, 23/07/2005, Rio, p. 13

Jovem preso acusado de tráfico pelo Orkut fraudou exame

Bruno Marini Mendes da Silva, de 25 anos, um dos dez jovens presos anteontem acusados de fazer tráfico de drogas pelo site de relacionamentos Orkut, também foi indiciado por estelionato. Policiais civis do Serviço de Repressão a Entorpecentes (SRE) de Niterói descobriram, por meio de escutas telefônicas, que Bruno, formado recentemente em direito pela Universidade Candido Mendes, fraudou em junho passado um exame da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro (OAB-RJ). A polícia suspeita que o pai do jovem, o advogado Fernando Mendes, sabia do golpe. Ele será chamado para prestar esclarecimentos. Segundo a OAB, mesmo com a cola eletrônica, o acusado não passou na prova.

Os investigadores descobriram que Bruno recebeu, pelo seu celular (que era alvo de escuta), os resultados das questões. As informações foram passadas por um homem que está sendo identificado. Na ligação, ele não só informava as letras das respostas corretas como explicava as questões. Num trecho, por exemplo, o cúmplice diz a Bruno:

- Terceira questão, 171, estelionato. Uma vez que dolosamente obteve... mediante fraude. A questão número 4 está errada, tendo em vista que o princípio da ação penal privada ou pública estende-se aos demais co-réus.

Num outro trecho gravado, o pai de Bruno pergunta ao filho se ele foi bem na prova.

-- É, mandei bem. Consegui fazer o esquema via Embratel - diz o rapaz.

Por causa da fraude, a OAB fará mudanças nas próximas provas. O presidente da Comissão de Exame da entidade, Álvaro César Rodrigues Pereira, disse que serão três as medidas. Em primeiro lugar, os candidatos não levarão mais a prova para casa depois de entregar o cartão perfurado com as respostas. Além disso, será proibida a presença de pessoas estranhas ao exame nas imediações das salas onde as provas estiverem sendo aplicados. Por último, haverá uma fiscalização mais rigorosa, para impedir a entrada de candidatos com celulares e outros aparelhos.

'Vamos pedir mais atenção aos fiscais'

A prova foi realizada dia 3 de junho, na Uerj. No edital do exame, o artigo sexto diz que "é vedada a utilização de qualquer tipo de aparelho eletroeletrônico, receptor ou transmissor de mensagens, dados ou voz". O edital deixa claro que será automaticamente eliminado o candidato que for flagrado utilizando qualquer meio ilícito, com o objetivo de obtenção de vantagens indevidas.

- Esse cidadão foi reprovado - disse Álvaro. - Ele não passou na prova na área de direito penal. Tirou 4 e precisava de 6. Vamos pedir mais atenção aos fiscais. Esse candidato tinha dois celulares ou escondeu muito bem o aparelho.

A divulgação oficial do resultado do exame está prevista para o dia 29 deste mês. Segundo Álvaro, a OAB faz três provas por ano. A fraude aconteceu na segunda. A próxima será no dia 25 de setembro.

O delegado Luiz Marcelo, do SRE, abriu inquérito para investigar o possível envolvimento de outras pessoas, inclusive funcionários da OAB, no caso.

- Não temos dúvida de que houve um esquema para beneficiar o Bruno Marini. Ficamos de informar à OAB os rumos que as investigações tomarão. O pai do rapaz sabia da história, mas não o indiciei por estelionato. Ele foi omisso - disse o delegado.

O chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins, disse que já foi enviado à OAB um relatório sobre a fraude. Em depoimento, Bruno confessou o golpe. Ele contou que uma pessoa abordou um professor fora da sala e perguntou a ele quais seriam as respostas certas. Ainda segundo Bruno, depois de o professor, sem saber da fraude, passar as informações, o cúmplice ligou dando as respostas.

Candidatos têm até associação

A proliferação de fraudes em concursos públicos levou ao lançamento, em janeiro deste ano, da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac). Formada por representantes de editoras e cursos preparatórios para concursos públicos, a entidade presta assistência jurídica a candidatos não só em ações coletivas, como em processos individuais.

O caso mais recente de fraude - e de maior repercussão - aconteceu em Brasília, a 29 de maio passado, com a prisão de três pessoas consideradas centrais na máfia que desde 1981 vinha fraudando concursos públicos em todo o país. O Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe) - órgão da Universidade de Brasília (UnB) responsável pela elaboração de provas em todo o Brasil - abriu uma sindicância interna para apurar denúncias de venda de gabaritos. A Polícia Civil de Brasília descobriu que as respostas das questões de pelo menos 13 concursos teriam sido vendidas por até R$50 mil a candidatos antes da realização do teste. Foram expedidos 107 mandados de prisão contra integrantes da quadrilha. Desse total, 85 pessoas foram presas, seis estavam foragidas e 16 foram postas em liberdade por terem cooperado com a polícia.

A 15 de agosto do ano passado, nove pessoas foram presas, acusadas de tentar fraudar o concurso para soldado da PM do Estado do Rio. Segundo o serviço reservado da PM, que prendeu os candidatos, eles estavam registrando na memória de seus celulares o gabarito da prova.

No início de dezembro de 1996, no vestibular Unificado da Fundação Cesgranrio, foi descoberto um sistema desenvolvido pelos fraudadores com um equipamento que pouquíssimas pessoas sabiam que existia: um relógio de fabricação suíça que é, ao mesmo tempo, um pager. Foram 58 relógios apreendidos e 77 inscritos excluídos do concurso. Cada um teria pagado R$15 mil para ter o relógio com pager.

'É, mandei bem'

Num telefonema gravado pela polícia, um homem ainda não identificado passa orientações para Bruno durante a prova da OAB:

Homem: A peça é apelação, artigo 82, parágrafo primeiro. Tem uma letra a e uma letra b, é a letra a. Está errado o juiz, pois queixa-crime é dirigida ao JEC. E a letra b: é legítimo por se tratar de ação penal privada, tendo em vista que a ofensa não ocorreu pela função.

Em seguida, o pai de Bruno, o advogado Fernando Mendes, telefona para o filho:

Fernando: Fala, filho.

Bruno: Fala, pai. Pô, você perturba, heim, cara. Tira a minha concentração no meio da prova. Eu tô com o cominado do cara me ligar e você fica me ligando (...) Eu mandei bem, acho que eu passei, pai.

Fernando: É, filho?

Bruno: É, mandei bem. Consegui fazer o esquema via Embratel (...) Pô, pai, eu já falei, praticamente tenho 80% de chance de passar.

Legenda da foto: BRUNO MARINI Mendes é levado preso: escutas revelaram que o jovem recebeu por telefone as respostas de prova