Título: Terror faz brasileiros pensarem em retornar
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 23/07/2005, O Mundo, p. 28

Paulista que escapou de atentado em 7 de julho diz que passou a ficar agoniado ao entrar em metrô cheio

LONDRES. Por razão muito maior que o mero desconforto, o paulista José Di Michele tem evitado entrar nos vagões de metrô mais cheios. Teme que a obstrução de sua visão aumente ainda mais a angústia que o acompanha desde 7 de julho, quando este analista de sistemas de 35 anos teve que escapar pela janela de um trem da linha Piccadilly atingido por uma explosão entre as estações de King's Cross e Russell Square.

Situação no Brasil poderia ser mais perigosa

No atentado, 21 pessoas morreram. Psicologicamente, Di Michelle não saiu ileso.

- Estou pensando em sair de Londres. Fico agoniado quando entro no metrô e, por mais que goste de Londres, não dá para viver com essa insegurança. Ganhei uma segunda chance e não quero perdê-la. Muita gente vai dizer que no Brasil é mais perigoso, mas sou de Piracicaba, uma cidade calma - diz ele, há seis anos vivendo na cidade.

Gente da comunidade brasileira com menos tempo de Londres também já pensa em buscar o caminho do aeroporto, como conta Marcelo de Souza. Ele é um dos donos do restaurante Brazil By Kilo, ponto de encontro de brasileiros no Reino Unido e que, como outros negócios do gênero, teve queda de movimento nas últimas semanas.

- As pessoas estão assustadas e com medo de usar o transporte público. Já ouvi muita gente dizer que vai fazer as malas assim que possível - conta Souza.

A incerteza não é o único problema de brasileiros. Semana passada, o estudante Lauro Mesquita, entregador de sanduíches, recebeu olhares inquisidores de passageiros do metrô ao entrar no vagão com a enorme mochila em que leva o produto. Chegou a ser revistado por policiais. Já a estudante Tatiana Morales diz ter sofrido com a xenofobia e o preconceito racial numa mercearia em Elephant and Castle, no sul de Londres.

- Estava comprando frutas e uma mulher começou a dizer que era por causa de estrangeiros que o Reino Unido se encontra sob ameaça. Reagi dizendo que o problema maior é a atitude de pessoas racistas e ignorantes - conta ela.

Empresas aéreas não registram mais desistências

Para Reinaldo Morato, dono do restaurante Barraco, o maior termômetro verde-amarelo são os pedidos de clientes para que as novelas e o futebol na TV dêem espaço aos canais de notícia. Morato também se transformou numa espécie de conselheiro da turma mais assustada:

- Tem gente que pergunta sobre cuidados a tomar no metrô, ou que chega dizendo que quer ir embora. Lembro a eles que o terrorismo em Londres ainda é muito menos perigoso que a violência no Brasil, sobretudo nas grandes cidades.

Já o padre Frederico Meirelles, cujas missas atraem mais de mil fiéis brasileiros semanalmente, diz não ter percebido um reflexo imediato da ameaça do terror em Londres.

Empresas aéreas com vôos para Londres não mudaram sua rotina. Segundo a British Airways, o número de cancelamentos de passagens não ultrapassa o padrão registrado ao longo do ano, e não poderia ser atribuído aos atentados. A companhia mantém seus dez vôos semanais com partidas de Rio e São Paulo. Já a Varig disse continuar operando seus sete vôos semanais para a capital britânica e que não registrou desistências decorrentes dos ataques.

Nas operadoras de turismo, o clima ainda é de incerteza. A CVC, uma das maiores do país, reconhece a possibilidade de queda nas reservas de pacotes para Londres, mas ainda não teve cancelamentos. Já a Marsans afirma que, após as primeiras explosões, há duas semanas, passageiros não abriram mão de suas reservas e mantiveram as viagens.

COLABOROU Ana Lúcia Borges