Título: OLÍVIO: GOVERNO ESTÁ PRISIONEIRO DE CONSERVADORES
Autor: Cristiane Jungblut e Chico Oliveira
Fonte: O Globo, 23/07/2005, O País, p. 10
Ex-ministro das Cidades, ainda magoado pela demissão, prega radicalização da democracia
BRASÍLIA e PORTO ALEGRE. Fundador do PT e amigo há três décadas do presidente Lula, Olívio Dutra despediu-se ontem do governo que integrou desde o primeiro dia afirmando que a corrupção, motivo da crise política recente, é uma erva daninha dentro da máquina pública no Brasil. E que para acabar com ela é preciso radicalizar a democracia. Sem esconder a mágoa por ter sido demitido, o ex-ministro disse que é "devedor do presidente, o companheiro Lula", por ter sido escolhido para o Ministério das Cidades, criado em janeiro de 2003.
- Para combater a corrupção, que é uma erva daninha que tem séculos dentro da máquina pública, nos três níveis, temos que radicalizar a democracia. O dinheiro público não é propriedade do presidente da República, do governador, de prefeitos. E de nenhum empresário, por mais importante que seja. O dinheiro público é de propriedade da cidadania. A sociedade tem que controlar o Estado - disse Olívio.
Diante do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que indicou o novo ministro Márcio Fortes de Almeida, Olívio afirmou que o Ministério das Cidades não foi usado para interesses pessoais. Ele passou o cargo a seu sucessor exatamente uma semana depois de, em entrevista ao GLOBO publicada no último sábado, dizer que ficaria no governo até o fim.
Na última segunda-feira, Olívio tinha conversado com o presidente, que dissera que ele permaneceria. Mas na terça-feira, cedendo às pressões do PP para ocupar o Ministério das Cidades, Olívio foi chamado por Lula e demitido. O presidente ofereceu a presidência da Infraero ao amigo, que recusou o cargo.
Olívio garante que não será candidato a governador
O presidente manteve a promessa de dar o ministério ao PP e justificou dizendo que sabia que Olívio será candidato ao governo do Rio Grande do Sul. Ontem, Olívio voltou a dizer que não será candidato e que desautoriza qualquer pessoa a lançar seu nome. Diplomático, disse que Lula foi generoso ao lançar seu nome.
Na cerimônia, Olívio foi aplaudido pelo auditório, cheio de funcionários e pessoas que ocupam cargos de confiança do PT. Alguns até choraram na despedida do ministro.
Mais cedo, em entrevista à Rádio Gaúcha, Olívio disse que o governo está cada vez mais prisioneiro de forças conservadoras. Delúbio Soares e Silvio Pereira, para ele, estão entre as más companhias que levaram o PT para um atoleiro:
- Tenho um sentimento de que o governo está ficando cada vez mais prisioneiro, por conta das circunstâncias, da conjuntura, das forças de centro conservador de direita.
Mas defendeu Lula:
- O presidente da República está sendo surpreendido constantemente com coisas que vão aparecendo sob o título de "ah, foi o palácio que mandou". O palácio é o prédio. É uma questão seriíssima confiar em pessoas e elas ficarem soltas, achando que podem fazer tudo, escorando-se nas costas largas da maior autoridade política-social que é a figura humana do companheiro Lula.
CORPO A CORPO - OLÍVIO DUTRA
'Se preciso, o PT será refundado'
O ex-ministro Olívio Dutra disse que as instâncias partidárias devem investigar as denúncias a fundo, sem contemporizar com ninguém, e que, se for preciso, o partido será refundado.
O senhor será candidato a governador do Rio Grande do Sul?
OLÍVIO DUTRA: Não sou candidato. Foi uma frase generosa de um companheiro que prezo muito. Quero ser um militante do meu partido para recuperar o sentido da existência do PT.
Os petistas envolvidos no caso, como Delúbio Soares, deveriam ser expulsos?
OLÍVIO: Quero que as instâncias do PT, que foram desrespeitadas ou desvalorizadas, sejam plenamente acionadas. Elas vão saber se desfazer de condutas e de pessoas, não importam cargos, origens, que levaram o partido a esse desvio.
O senhor se sente traído como fundador do PT?
OLÍVIO: Nós nos sentimos sim agredidos por uma história que é coletiva. Têm milhares de pessoas que também se sentem ofendidas com o que algumas pessoas, inclusive dirigentes do meu partido, fizeram.
Como se sente em dar lugar ao PP?
OLÍVIO: O governo do presidente Lula não é o governo do PT. Na conjuntura que o presidente está vivendo, o governo precisa governar - e bem -- o Congresso investigar e a Justiça agir com todo o rigor da lei. E o meu PT tem que saber sair dessa situação sem passar a mão por cima de nada, sem contemporizar com ninguém. Todos nós que, no governo, não confundimos o interesse do partido com a ação de governo queremos também que nosso partido seja recuperado. E, se preciso, refundado.
Legenda da foto: OLÍVIO: MINISTRO desde o início do governo, ele deixa o cargo magoado