Título: DESAFIOS DAS ONGS
Autor: Silvina Ana Ramal
Fonte: O Globo, 23/07/2005, Opinião, p. 7

As organizações não-governamentais brasileiras têm recebido duras críticas de vários setores da sociedade. Um exemplo disso é o filme "Quanto vale ou é por quilo?", recentemente em cartaz. É importante destacar que as ONGs são organizações sem fins de lucro, cujo trabalho e objetivo de existência são voltados para a área social. As críticas a este tipo de organização no Brasil revelam alguns problemas estruturais e desafios enfrentados por elas hoje, que analisaremos a seguir.

Em primeiro lugar, a falta de preparo técnico de alguns financiadores de projetos sociais, públicos e privados, nacionais e internacionais. No setor privado, uma empresa ineficiente acaba saindo do mercado, porque os clientes não compram seu produto. Mas os financiadores de projetos sociais hoje não sabem comprar: usam parâmetros errados de seleção, permitindo que parte dos recursos pare em mãos erradas não apenas uma vez, mas repetidas vezes.

Por outro lado, as organizações não-governamentais nem sempre são mal intencionadas, como muitos pensam. Mas com a falta de gestão profissional, os recursos que recebem se esvaem em estruturas ineficientes, falta de foco, equipes inchadas, formadas por profissionais que têm mais ideologia do que capacidade técnica.

A postura contrária ao chamado "mundo capitalista" leva muitos empreendedores sociais a desprezar práticas de gestão típicas de empresas privadas, por considerarem que são frutos de um sistema de valores injusto e excludente. Ledo engano: não se pode tomar a ferramenta pela ideologia daquele que a utiliza. A energia nuclear das bombas atômicas também é usada para o bem na medicina.

Finalmente, avaliar resultados é uma prática nova e pouquíssimo usada. Nas empresas privadas, é muito fácil medir performance, há números absolutos que não mentem: a participação de mercado, o volume de vendas, a rentabilidade das ações. Mas o impacto social ainda representa um desafio, mesmo para os especialistas do setor. Como saber se a vida das pessoas de uma comunidade que se quer ajudar melhorou, e como saber se o que é melhor do ponto de vista daquele que intervém é o melhor também para o público atendido? Como se mede felicidade, empoderamento, cidadania? Essas dificuldades levam a evitar a avaliação do trabalho. O que se faz é falar em grandes números, os maiores possíveis. "Atendemos a cem mil pessoas em todo o Brasil, trabalhamos em dez países." Mas ninguém se pergunta: como exatamente mudou a vida das cem mil pessoas, o que se fez nos dez países, e se o que se fez era o melhor possível, ou o que tinha de ser feito. Outra opção para mostrar resultados é o caso de sucesso, no estilo: "José da Silva vivia perdido, e hoje é um vencedor: tem família, emprego, é um exemplo admirado na comunidade." Como se experiências individuais pudessem validar um trabalho que em sua própria essência é de grupo.

O resultado mais triste desses problemas estruturais é que muitas organizações sociais hoje são ferramentas de manutenção das velhas e injustas estruturas sociais brasileiras, ao contrário de agentes de mudança e renovação.

Para serem verdadeiros agentes de mudança, um fator importante que terão de incorporar ao seu trabalho se resume em uma palavra: profissionalização. É preciso, urgentemente, mais competência técnica em gestão de empreendimentos sociais, tanto no lado dos financiadores como no lado dos empreendedores sociais, para saber por que se trabalha, como se deve trabalhar, e ser mais efetivo e eficiente na consecução dos resultados desejados.

SILVINA ANA RAMAL é presidente da Organização Pró-Social.