Título: RETIRADA DE GAZA PÕE SHARON EM ENCRUZILHADA
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 24/07/2005, O Mundo, p. 38

Premier de Israel arrisca seu futuro político ao defender saída de colonos de áreas palestinas, dizem analistas

JERUSALÉM. A menos de um mês de concretizar o plano de retirada da Faixa de Gaza, desmantelando assentamentos e removendo 9.200 colonos judeus da região, o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, parece seguir sozinho em direção ao último e mais audacioso projeto de sua carreira política, sob protestos e forte pressão psicológica da direita nacionalista. Mesmo tendo perdido o apoio da direita e dos partidos religiosos e vendo o governo de coalizão ameaçado por crises internas, Sharon demonstra confiança absoluta no sucesso da retirada, e deixa no ar o enigma de qual será o próximo passo no primeiro dia após a retirada do último soldado de Gaza.

De acordo com o analista militar Shalom Harari, do Instituto Interdisciplinar de Hertzlia, a curto prazo a retirada não trará qualquer garantia de segurança para Israel nem facilitará a vida dos 1,3 milhão de palestinos que vivem na Faixa de Gaza. Harari, brigadeiro-general na reserva israelense, explica que a saída acontece num momento conturbado da sociedade palestina, em que o presidente Mahmoud Abbas não tem controle sobre grupos radicais como o Hamas.

¿ Ninguém sabe o que vai acontecer. A única certeza é que Sharon dá um passo ousado, pois decidiu sozinho, sem ouvir a cúpula do Exército. A retirada é necessária, mas veio na hora errada. O caos se instalou na Autoridade Palestina após a morte de Yasser Arafat e não podemos cobrar de Abbas qualquer responsabilidade, pois ele precisaria de ao menos três ou quatro anos de governo para retomar a ordem ¿ afirmou o analista.

Sem apoio dentro do partido

Embora pesquisas mostrem que ao menos 70% dos israelenses são a favor da retirada, os números não afastam as incertezas quanto ao futuro no campo político. Sem apoio da extrema-direita ou dentro de seu partido, o Likud (que se dividiu em duas alas, uma pró e uma contra a retirada), Sharon pode ver em risco sua cadeira dias após completado o processo. Segundo o analista Daniel Ben Simon, do jornal ¿Ha¿aretz¿, é possível que o comitê central do Likud vote por sua demissão do cargo de premier, forçando novas eleições.

¿ Sharon se agarra no apoio público para continuar. Não tem maioria garantida no comitê do Likud. A grande pergunta é se o trator Sharon, tido como imbatível, conseguiria sobreviver a essa humilhação. Caso isso aconteça, ele teria de decidir se concorre novamente à liderança do Likud, às eleições, se abre um novo partido ou se passa a liderar um bloco da esquerda. Não me surpreenderia se uma coligação de esquerda convidasse Sharon para líder. Depois da retirada, a política israelense nunca mais será a mesma ¿ avalia Ben Simon.

A propaganda é a última arma dos colonos na tentativa de impedir a demolição de suas casas em Gaza e no norte da Cisjordânia. Nas ruas de Jerusalém é impossível não notar as fitinhas laranja, cor que virou símbolo de resistência dos colonos, presas às antenas dos carros. Os partidários da retirada contra-atacam amarrando fitas azuis e brancas ¿ cores da bandeira de Israel ¿ em seus carros. Na guerra psicológica para demover Sharon de seu plano, vale tudo.

¿ Sharon entendeu que a retirada é o que os colonos precisam. O premier sofre com a pressão, mas se sente responsável por um passo histórico em direção à paz. A única coisa que o deixa chateado de verdade é saber que logo ele, que sempre esteve na linha de fogo do Exército para defender judeus, agora tem que andar cercado de seguranças para defender-se do radicalismo dos mesmos judeus por quem sempre lutou. E quem acredita que este é seu último passo na vida pública, está enganado. A retirada unilateral é somente o primeiro ¿ declarou Raanan Guissin, conselheiro do primeiro-ministro, ao GLOBO, por telefone.

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