Título: O valerioduto do PT
Autor: Regina Alvarez e José Casado
Fonte: O Globo, 24/07/2005, O País, p. 3

CPI investiga bancos, indústrias, empreiteiras e estatais que abasteceriam contas de Valério

Sete bancos privados e dois públicos, duas indústrias, duas telefônicas, uma empreiteira e mais seis empresas estatais entraram na mira da CPI dos Correios. Os documentos examinados até agora já indicam a possível trajetória dos recursos que jorraram em abundância para o PT e partidos da base aliada, graças aos esquema criado pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Na montagem desse tabuleiro, a CPI trabalha com duas fontes primárias ¿ setor público e privado ¿ de onde sairiam os recursos que abasteceram as contas de Valério.

As evidências já levantadas pela comissão indicam que Valério atuou como o tesoureiro de fato do Partido dos Trabalhadores. A movimentação bancária do empresário, de sua mulher e das principais empresas supera R$1 bilhão entre 2003 e 2005. O ex-tesoureiro Delúbio Soares admitiu na CPI que o PT mantinha um caixa dois para financiar suas campanhas eleitorais e a dos partidos aliados. A CPI tem cada vez mais indícios de que o esquema servia também para garantir a sustentação do governo Lula no Congresso.

Contribuições em troca de benefícios

Os integrantes da CPI querem agora avançar na identificação das fontes dos recursos que financiaram o PT e aliados. Suspeitam que empresas privadas usariam as agências de Valério para descarregar contribuições aos partidos ¿ sem comprovantes ¿ em troca de benefícios do governo federal.

¿ A minha convicção é que o dinheiro vinha de várias fontes do governo e do setor privado. O projeto de poder do PT era de longo prazo. E para obter apoio no Congresso e nas campanhas eleitorais os fins justificavam os meios ¿ afirma o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

Por enquanto, estão no foco dessa linha de investigação a siderúrgica Usiminas, a Amazônia Celular, a Telemig Celular, a Fiat Automóveis e a Construtora Odebrecht.

A Usiminas é cliente da SMP&B e o seu presidente, Rinaldo Campos Soares, mantém uma relação muito próxima com Marcos Valério. O deputado federal Roberto Brant (PFL-MG), que teve um saque de R$102 mil identificado pela CPI, disse que os recursos foram uma doação da siderúrgica para a sua campanha eleitoral em 2002.

As empresas Telemig Celular e Amazônia Celular, do Grupo Opportunitty, e a Fiat aparecem nas notas incineradas da DNA Propaganda, encontradas na casa do ex-policial Marco Túlio Prata, em Belo Horizonte. A CPI suspeita que essas notas referem-se a serviços de publicidade não realizados. Teriam sido emitidas para justificar o pagamento de contribuições aos partidos.

Desafio é identificar origem do dinheiro

A Odebrecht também figura entre os clientes da DNA. A CPI investiga uma denúncia de que a construtora poderia ter usado a agência para fazer uma contribuição ao PT em troca de um empréstimo concedido pelo BNDES.

¿ Sem dúvida, o desafio é identificar a origem dos recursos. A movimentação financeira das empresas de Marcos Valério é desproporcional ao faturamento. E os empréstimos transferidos pelas empresas ao PT cobrem apenas uma parte dos saques. Provavelmente a menor parte ¿ afirma o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), recém nomeado sub-relator do sistema financeiro.

No alvo da CPI também estão Banco Rural , BMG, Banco do Brasil, Banco de Brasília (BRB), Bradesco, Banco Mercantil do Brasil, Banco Panamericano, Banco Alfa e BankBoston. Por esses bancos transitaram os recursos movimentados por Marcos Valério e suas empresas. A maior parte teria sido repassada aos partidos de acordo com os acertos entre Valério e Delúbio.

Suspeita-se na CPI que o esquema utilizava empresas e bancos estatais na coleta dos recursos para os partidos. Sob investigação estão as empresas atendidas pelas agências de publicidade de Marcos Valério ¿ Correios, Eletronorte e Banco do Brasil ¿ e outras onde o empresário tinha trânsito, como a Petrobras, a Casa da Moeda e Furnas.

A agenda de Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério, registra encontros do empresário com dois assessores diretos da presidência da Petrobras, os ex-sindicalistas Diego Hernandes e Armando Tripodi, e com o presidente da Casa da Moeda, Manoel Severino. As duas estatais não figuram entre os clientes das agências de Valério. Manoel Severino é da ala petista comandada pelo ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República José Dirceu.

Tráfico de influência nas agências

Os integrantes da CPI estão convencidos de que Marcos Valério desenvolvia atividades muito além do que estabeleciam os contratos de publicidade de suas empresas com o governo. Fazia tráfico de influência no governo federal e nas empresas públicas, servindo aos interesses de empresas privadas fornecedoras do governo e de companhias estatais, concessionárias de serviços públicos, bancos e corretoras de valores.

Foi nesse papel de negociante que Valério conseguiu promover uma reunião de dirigentes do Banco Central, em Brasília, com representantes dos bancos Rural, Mercantil de Pernambuco e Econômico, para defender interesses dos bancos privados.

Só o resultado desse tipo de trabalho justificaria a movimentação milionária nas contas de suas agências. A CPI já identificou perto de 50 pessoas que sacaram recursos das contas das agências SMP&B e DNA Propaganda, de Marcos Valério, no Banco Rural e no Banco do Brasil. Constam da lista sete parlamentares e um número ainda maior de assessores e outras pessoas ligadas a políticos da base aliada e do PT principalmente, mas também de assessores ligados ao PSDB, ao PFL, ao PMDB e ao PSB.

¿ Temos indícios muito fortes de que o mensalão existiu mesmo ¿ afirma o presidente da CPI, Delcídio Amaral (PT-MS).

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