Título: ONU QUER 'DESAMERICANIZAR' DOMÍNIO DA REDE
Autor: Elis Monteiro
Fonte: O Globo, 25/07/2005, INFORMÁTICA ETC, p. 3

Em Genebra, Grupo de Trabalho sobre Governança da Internet pediu maior 'internacionalização'; EUA são contra

A discussão promete esquentar daqui até a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, que vai acontecer em novembro, na Tunísia: no relatório final do Grupo de Trabalho sobre Governança da Internet da ONU, divulgado semana passada, em Genebra, 40 peritos designados por diversos países decidiram questionar o papel dos EUA no governo da internet.

No documento, que pede uma maior "internacionalização" da rede, o Grupo declara ser necessária "uma melhor reorganização da gestão da internet, com base da Declaração de Princípios adotada em 2003 para a primeira fase da Cúpula da Informação". Entre as propostas apresentadas está a possibilidade de aumentar as funções do Comitê Consultivo para Assuntos Governamentais (GAC) da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann), entidade subordinada ao Departamento de Comércio Americano (FTC) que é responsável técnica pelo Sistema de Nomes de Domínio (DNS), que gerencia os endereços mundiais da internet.

EUA não querem abandonar "gerenciamento" da rede

A discussão se torna mais acalorada diante da recusa dos EUA de "abandonar" a função que acumula há tantos anos através da Icann. No começo deste mês, a Administração Nacional de Telecomunicações e Informação (NTIA), ligada ao FTC, divulgou um comunicado dizendo que o governo dos EUA não pretende abrir mão do controle do DNS.

De acordo com Carlos Afonso, um dos dois representantes brasileiros no Grupo de Trabalho sobre Governança, o documento da ONU não sugere a retirada total da Icann do registro de domínios, mas sim a criação de um fórum internacional com mais autonomia nas decisões e maior transparência.

- A Icann não sairá da parada, mesmo com a declaração do governo dos EUA, que, de certa forma, desmoraliza o esforço de construção, por parte da direção da Icann, de uma imagem de organização global e autônoma. Legalmente, e por contratos específicos entre a Icann, o Departamento de Comércio e a Verisign, ela não passa de uma entidade civil sem fins de lucro subordinada às leis do "governator" da Califórnia e do governo federal dos EUA, que gerencia o sistema-raiz por delegação temporária do Departamento de Comércio - diz.

Neste imbróglio, se há um consenso, segundo Carlos Afono, é o de que nenhum aspecto da governança global da rede pode ficar subordinado a apenas um governo. E isso se aplica à Icann.

Uma entidade preparada para 'cibergovernar'?

Na Suíça, foram apresentados alguns modelos de gerência

Aresposta para a pergunta feita no título acima é não. A questão já havia sido levantada por um dos mais notórios defensores do ciberespaço, John Perry Barlow, em entrevista recente ao Info Etc. Para Barlow, que é autor da Declaração dos Direitos do Ciberespaço e um dos grandes gurus da EFF (Electronic Frontier Foundation), a ONU não só não estaria preparada para desempenhar a função de governar a rede como esta tarefa deveria caber a uma entidade que poderia até mesmo ser criada ou até autorizada pela ONU.

A afirmação de Barlow é corroborada por Carlos Afonso, representante brasileiro no Grupo de Trabalho sobre Governança da Internet. Para ele, para ser capaz de governar a rede a ONU precisaria se reinventar.

- A ONU como está hoje não dá. As agências da ONU, que são 16, como a OMPI e a UIT, são organismos de defesa dos grandes interesses comerciais privados, sem transparência, sem democracia, sem participação ampla. Governo da internet com a ONU, só com uma nova ONU. E isso, se sair um dia, vai demorar - diz. - Estou com o John Perry Barlow e muitos outros que querem democracia na governança mas não querem controle burocrático/autocrático de governos ou de mãos-de-gato de alguns governos (a ONU) na governança global da internet.

Durante a reunião do Grupo de Trabalho em Genebra, foram apresentados modelos de governança que serão sugeridos na Cúpula. Um deles propõe o aumento do papel do Comitê Consultivo para Assuntos Governamentais (GAC) da Icann. Outro sugere a criação de um fórum internacional que teria ligação com a ONU, mas preservando sua autonomia. A terceira opção seria a criação de uma entidade que substituísse o GAC e que poderia até mesmo ser responsabilidade da Icann.

O modelo apresentado pelos representantes brasileiros pede uma representação multi-interesses igualitária.

- O que estamos buscando é uma nova forma de organismo mundial, um fórum global com participação plena de todos os grupos de interesse. A ONU precisa se renovar primeiro para depois pensar em ousadias como essa - diz Carlos Afonso.

Para ele, a "nova governança" deve levar em conta não só a infra-estrutura lógica (que os EUA querem controlar) mas também temas como spam, direito à informação e ao compartilhamento de interconexão internacional, entre outros assuntos "quentes". (EM)