Título: O PETRÓLEO É TODO NOSSO
Autor: Ramona Ordoñez
Fonte: O Globo, 29/07/2005, Economia, p. 15

País chegará à auto-suficiência em dezembro. Economia anual será de US$3 bi

Mais de um século depois de ter iniciado sua busca por petróleo e passados 66 anos desde a primeira descoberta, o Brasil está prestes a alcançar a tão sonhada auto-suficiência. A Petrobras espera atingir e manter esse marco em dezembro deste ano, quando a produção chegará a cerca de 1,85 milhão de barris diários, para atender a um consumo da mesma ordem, gerando uma economia imediata de US$3 bilhões anuais, valor gasto hoje nas importações de petróleo. Com essa produção, o Brasil ingressa no seleto grupo de países auto-suficientes.

O consumo de derivados no primeiro semestre do ano foi de 1,8 milhão de barris diários, enquanto a produção nacional ficou em cerca de 1,7 milhão de barris. Na realidade, o país obteve auto-suficiência momentânea em alguns dias de junho. Em sua última entrevista como presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, que deixou o cargo na sexta-feira passada, destacou que, naquele mês, a produção nacional média diária foi de 1,75 milhão:

- Durante sete dias, produzimos mais do que o Brasil consumiu. Estamos no limiar da auto-suficiência.

Auto-suficiência não fará com que os preços caiam

Em julho e agosto, estimam os técnicos da Petrobras, a produção ficará na faixa de 1,75 milhão de barris/dia, levando-se em conta paradas programadas de algumas plataformas, como também o fato de as duas novas unidades (a P-43 e a P-48) já terem atingido sua capacidade máxima, de 180 mil barris/dia.

Para atingir a auto-suficiência em dezembro - e mantê-la pelos próximos anos - a Petrobras conta com o aumento em outubro, para cem mil barris diários, da produção do navio-plataforma FPSO Marlin Sul. Outro projeto fundamental para atingir a meta é a entrada em operação da P-50 a partir de setembro ou outubro (mais 180 mil barris). Está prevista também a produção, no campo de Jubarte, com a P-34, de mais 60 mil barris por dia.

Até 2010, a companhia espera atingir a produção de 2,3 milhões de barris diários, contra um consumo estimado em 2,05 milhões de barris por dia. Isso porque está aumentando também a produção no país de gás natural, que desloca o consumo dos derivados de petróleo. O consultor Jean-Paul Prates, da Expetro, afirma que, caso não haja novas descobertas, e levando-se em consideração um crescimento da demanda de combustíveis em torno de 3% a 4% ao ano, a auto-suficiência seria sustentável até um horizonte de 2011.

Apesar da auto-suficiência, o Brasil não deixará de importar petróleo e derivados. Segundo o especialista Jean-Paul Prates, sempre há excedentes que têm de ser exportados, assim como às vezes é preciso importar outros tipos, como é o caso hoje do óleo diesel. Além disso, por alguns anos a Petrobras terá de importar óleos leves e exportar óleos pesados dos campos da Bacia de Campos. É que as refinarias foram construídas nos anos 70/80 para produzir combustível usando petróleo leve, importado. Mas a estatal desenvolve um projeto de modernização, prevendo que as usinas processem todo o óleo pesado a partir de 2010.

No primeiro trimestre do ano, as exportações da Petrobras superaram as importações em 28 mil barris diários. Foram vendidos 396 mil barris e importados 368 mil. Mas a estatal alerta para o fato de a auto-suficiência não significar redução de preços dos combustíveis. O petróleo nacional é cotado com base nos preços médios internacionais e no câmbio. Assim como ocorre, por exemplo, na Noruega.

- A vantagem para o consumidor é indireta: o país deixará de gastar US$3 bilhões, que poderá gastar em outras áreas importantes - disse Dutra, na semana passada.

Reservas são suficientes para 21 anos de consumo

O aumento da produção nacional tem contribuído, segundo Dutra, para evitar o repasse aos preços dos combustíveis das freqüentes altas da cotação internacional. Também contribuiu para isso o fato de a Petrobras ser uma empresa integrada. Se o país estivesse hoje importando 80% de seu consumo, como na década de 80, os preços teriam sofrido elevados reajustes. Ou o país já teria que ter racionado o consumo do combustível.

Outro fator que garante a produção e a auto-suficiência é que as reservas de petróleo têm aumentado. O volume total, que em 2002 era de 11 bilhões, agora está em 13 bilhões, apesar da produção de 1,2 bilhão de barris do período. Segundo os técnicos, o índice de reposição de reservas da Petrobras é um dos maiores do mundo: o volume conhecido atualmente é suficiente para 21 anos de consumo.

Um combustível do nacionalismo

Riqueza finita, petróleo sempre provocou discussões inflamadas

A exploração do petróleo - tida como uma questão de estratégia e soberania nacional - sempre provocou discussões inflamadas no país. Foi assim na primeira metade do século passado, quando alguns que defendiam a exploração chegaram até a hostilizar empresas estrangeiras instaladas aqui. A luta culminou na criação da Petrobras e no monopólio em 1953, como resultado da campanha "O petróleo é nosso".

E o nacionalismo chegou até os anos 90. O Congresso sofreu grande oposição para aprovar a lei 9.478 em 1998, que acabou com o monopólio da Petrobras. Aliás, a discussão continua até hoje quando se questiona se o país deveria deixar estrangeiros explorarem o petróleo, uma riqueza finita.

Um dos pioneiros do debate foi o escritor Monteiro Lobato (1882-1948). Contrariando os que diziam que o país não tinha petróleo, Lobato criou em 1932 a Companhia Petróleo Nacional, usando recursos próprios para furar um poço na Bahia. Mas não encontrou o que buscava. Escreveu, então, ao presidente Getúlio Vargas, queixando-se de que interesses estrangeiros dificultavam a empreitada. Acabou sendo preso. Pouco antes de morrer, deu os primeiros passos da campanha "O petróleo é nosso". Antes, em 1939, descobriu-se petróleo pela primeira vez no Brasil, na localidade de Lobato, no Recôncavo Baiano.

Mas as grandes descobertas de petróleo no país seriam feitas no mar. Nos anos 70, foi descoberta a Bacia de Campos, responsável hoje por 85% da produção nacional. (R.O.)