Título: PARANORMALIDADE
Autor: George Vidor
Fonte: O Globo, 25/07/2005, Economia, p. 16

A inflação acumulada nos últimos 12 meses cairá agora em julho para 6,5%, e isso no caso do IPCA, índice apurado pelo IBGE que serve de parâmetro para as metas que o Banco Central tem de cumprir, pois os demais indicadores ficarão abaixo disso. Em agosto, a inflação acumulada recuará para 6%, mantendo-se nessa faixa em setembro e outubro, quando então voltará a cair.

A diretoria do Banco Central poderá se regozijar, no fim do ano, de chegar muito perto do objetivo central das metas de inflação para 2005. Mas a essa vitória da política monetária deve ser acrescida uma outra discussão: a que custo?

Em economia não há almoço grátis, já se disse muitas vezes. Não é possível se combater a inflação sem sacrifício, quase sempre materializado por uma redução no ritmo de atividade econômica, com perda de empregos e renda. Os preços refletem as condições (imediatas e futuras) de oferta e procura dos bens e serviços. As autoridades monetárias agem sobre a formação de estoques (interferindo na oferta) e podem conter a demanda, tornando o crédito mais caro pelo aumento da taxa de juros.

Essa ação é dificultada pela presença mastodôntica - e quase sem rédeas, como temos visto nas CPIs - do setor público na economia brasileira. Altas taxas de juros serão necessárias até a demanda do setor público se comportar um dia, mas mesmo isso não justifica o exagero na atual dose aplicada pelo Banco Central.

Por causa dessa dosagem exagerada, a dívida pública em títulos está crescendo novamente a um ritmo espantoso. E trocar inflação por dívida pode ser um sacrifício inútil, porque equivale simplesmente a jogar o problema para a frente (e no caso brasileiro esse futuro não seria tão distante). Desse modo, as autoridades deveriam aproveitar qualquer oportunidade que aparecesse no horizonte para reduzir os juros. Os modelos econométricos que orientam as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) não têm sensibilidade para indicar esse momento. Por isso, há muito de subjetivo no que os membros do Copom decidem. Então, as atas do Copom são aguardadas com ansiedade no mercado porque é uma das maneiras de se decifrar o que passa pela cabeça do BC. Mas, pelo que aconteceu na última reunião, talvez os analistas de investimento venham a precisar da ajuda de algum especialista em paranormalidade, como o padre Quevedo.

O programa de transposição de água do Rio São Francisco já está em pleno andamento. Com a licença prévia liberada pelo Ibama, foi escolhido o consórcio encarregado de acompanhar o andamento das obras. A licitação para compra das grandes bombas, equipamentos sob encomenda que levam ano e meio para serem fabricados, está em curso. E o batalhão de engenharia do Exército em breve iniciará seus trabalhos, que também estarão voltados para a revitalização do Rio São Francisco.

Em Minas, serão construídas pequenas barragens nos afluentes do rio, que servirão como reservatórios nos períodos de muita chuva. Isso evitará grandes cheias e dará ao rio uma certa regularidade, mesmo quando o tempo seco se prolongar. Desse modo, junto com obras de desassoreamento, novos trechos do São Francisco podem voltar a ser navegáveis em território mineiro.

A vazão prevista no programa de transposição foi reduzida significativamente para não comprometer projetos de irrigação nas áreas ribeirinhas e nem interferir no volume de água necessário para o bom funcionamento das hidrelétricas.

Quando estiver em pleno funcionamento, a transposição será de 26 metros cúbicos por segundo, o equivalente a 1% da vazão média do rio. Quando o São Francisco estiver caudaloso e os reservatórios das hidrelétricas estiverem quase transbordando, esse volume poderá ser ampliado temporariamente para 68 metros cúbicos por segundo.

O objetivo da transposição é tornar perenes vários rios e canais nos estados mais secos do Nordeste (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco). Com isso, os açudes não precisarão acumular tanta água para abastecer a região nos anos de seca. Reduzindo-se o espelho d'água dos açudes, a evaporação (responsável pela perda de dois metros de água no nível dos reservatórios por ano) diminuirá, de forma que além dos 26 metros cúbicos da transposição o sistema de abastecimento passará a contar na prática com uma vazão de 35 metros cúbicos por segundo, pelo manejo mais eficiente da água.

Se tudo der certo, dos 19,9 milhões de habitantes do semi-árido do Nordeste, 12 milhões serão atendidos pela transposição de água do Rio São Francisco. Mesmo assim, o consumo médio, que aumentará de 450 para mil metros cúbicos anuais por pessoa, ficará abaixo dos 1.500 que as Nações Unidas consideram adequados para se ter uma boa qualidade de vida.

Duas pequenas centrais hidrelétricas serão construídas nos declives do sistema e vão gerar parte da energia necessária para o bombeamento (que não funcionará nos horários de pico do consumo de eletricidade). Uma subsidiária da Chesf ficará responsável pela transposição das águas, para que não haja conflito com as hidrelétricas. O fornecimento da água será cobrado dos estados, e apenas os agricultores situados ao longo dos canais ficarão isentos.

O consumo de cimento cresceu apenas 2,5% no primeiro semestre. E não se projeta mais do que isso até o fim do ano. Como o consumo de cimento acompanha a evolução da renda real dos brasileiros, é possível prever qual o aumento esperado para essa renda média da população este ano.