Título: SAÚDE SUPLEMENTAR: QUEM É O VILÃO?
Autor: JOÃO ELISIO FERRAZ DE CAMPOS
Fonte: O Globo, 25/07/2005, Opinião, p. 7

Todos os anos, nesta mesma época, quando a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anuncia os reajustes dos contratos dos seguros e planos de saúde privados, o assunto, naturalmente, ganha destaque na imprensa não só porque é do interesse de milhões de brasileiros, mas também porque, invariavelmente, nenhuma das partes envolvidas fica satisfeita.

Os consumidores acham que pagam muito, os profissionais de saúde acham que recebem pouco e as receitas auferidas pelas seguradoras não cobrem as despesas, gerando um desequilíbrio que impede o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de todo o segmento. Quem está certo? Quem está errado? A meu ver, as questões a serem investigadas não são essas e é um grande equívoco tratar o assunto como se houvesse um antagonismo insuperável entre os interessados. A verdade é que todos fazem parte de um mesmo sistema, se sustentam solidariamente e, portanto, se alguém levar uma vantagem adicional todos acabam perdendo.

Como remunerar melhor os médicos sem cobrar mais dos segurados? Como reajustar os contratos abaixo dos custos do setor sem prejudicar os resultados das seguradoras? E, com prejuízos, é possível pagar mais aos profissionais de saúde? As respostas demonstram, obviamente, que a equação não fecha. E não fecha porque o que está errado não são as reivindicações ou os interesses das partes envolvidas. O que está errado é o modelo de saúde suplementar adotado no Brasil.

Deliberadamente, não incluí até agora nessas considerações o agente que, a meu ver, está na origem do problema e é o único com poderes para implementar as soluções: o poder público. A saúde é um direito do cidadão e um dever constitucional do Estado. Infelizmente, no Brasil o governo não cumpre a sua obrigação e, além disso, através de uma legislação inadequada, instalou uma crise sistêmica no segmento de saúde suplementar, que se agrava a cada ano. Com a boa intenção de ampliar os benefícios e defender o consumidor, os novos parâmetros legais elevaram tanto os custos que, aos poucos, foram excluindo segurados antigos e impedindo que novos entrassem no sistema.

A tutela retirou do cidadão a liberdade de escolher as coberturas que lhe interessam ou que se dispõe a pagar com sua renda. De decidir quais e quantos procedimentos quer que o seu plano ou seu seguro cubra ou que cabem no seu orçamento. Hoje não há opções. Ou o cidadão tem meios de pagar no mínimo o plano básico, mesmo com coberturas que ele não quer ou não precisa, ou volta para o sistema público.

O problema, é claro, envolve uma complexidade muito maior e as soluções não se resumem em modificar a abrangência das coberturas ou em ampliar a liberdade de escolha das pessoas. Mas é preciso começar, e o primeiro passo deve ser dado no sentido de rever a legislação para permitir que surjam produtos mais adequados ao perfil de cada um dos milhões de brasileiros que se valem da medicina suplementar para garantir a sua saúde e de sua família.

A questão mais complexa a enfrentar, no entanto, é a elevação dos custos da medicina, que não pode ser comparada com os índices oficiais de inflação e por isso precisa ser avaliada com muito critério. No período de 2000 a 2004, enquanto o IPC variou cerca de 36%, os custos de internação hospitalar cresceram cerca de 138%. A título de exemplo, a cirurgia de coluna sofreu uma variação de 194%, a cirurgia cardíaca de 121%, a explosão de cálculo renal de 334%, e a cirurgia de joelho de 224%, com a inclusão de novas técnicas. A evolução nos tratamentos de doenças sempre implica aumento de custos, e é lógico que um profissional de saúde não deve pensar no valor da conta diante da possibilidade de salvar uma vida. Mas o problema existe e, de alguma forma, precisa ser resolvido.

Não há entre nós um índice oficial de inflação médica, e a falta desse parâmetro gera dúvidas, desconfianças e dificulta a negociação entre as partes. Não se trata de questionar a autoridade da ANS ou a sua competência para estabelecer reajustes. O que se quer são parâmetros aceitos por toda a sociedade, pelos consumidores, pelos profissionais de saúde, pelas operadoras e seguradoras de saúde, pelos órgãos de defesa do consumidor e pelo Poder Judiciário. Parâmetros que separem a inflação médica da inflação geral de preços e que deixem bem claro quais os itens contemplados; que especifiquem se os reajustes autorizados apenas repõem as perdas inflacionárias de um determinado período ou se consideram, também, um percentual de aumento para os serviços médicos ou para a remuneração das empresas. Enfim, que deixem bem claro que não há vilões nessa história.

JOÃO ELISIO FERRAZ DE CAMPOS é presidente da Fenaseg.