Título: Camisa-de-força
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Fonte: O Globo, 25/07/2005, Opinião, p. 6

Um dos méritos do debate sobre a proposta de um déficit nominal zero, feita pelo deputado e ex-ministro Delfim Netto, é chamar a atenção para o problema das finanças públicas. O esgotamento da capacidade de o país arcar com o custo do Estado precisa ser entendido como a célula-tronco das dificuldades do Brasil.

Já se avançou muito. No ciclo da superinflação tudo era mascarado. Inclusive o déficit público. Os poucos meses de estabilidade no Cruzado desvendaram um déficit nominal na faixa dos 8% do PIB. Hoje ele está em aproximadamente 3% (o ajuste, no entanto, tem sido feito por meio de aumento de impostos e cortes nos investimentos, o que é ruim).

O Plano Real considerava a existência do déficit, tanto que dele constava um amplo programa de privatizações. Mas as contas públicas não se equilibraram no primeiro governo FH. Apenas no segundo passou-se a acumular superávits primários - sem considerar os juros da dívida interna. O governo Lula manteve e aprofundou a política de superávits, e por isso o déficit nominal caiu.

O projeto do déficit nominal zero - que inclui os juros da dívida interna - visa a superar a última etapa para o saneamento das contas públicas. O problema é como aplicá-lo.

No plano original, a parcela que hoje é desvinculada do Orçamento (20%) seria dobrada para 40%. E haveria metas rígidas, definidas legalmente, para que se atingisse o déficit nulo.

Aqui se encontram os pontos de divergência. Pois a desvinculação de gastos orçamentários obrigatórios poderia ameaçar setores-chave como educação e saúde. Outro problema é o efeito de metas fiscais rígidas sobre a política monetária, o manejo dos juros básicos pelo Banco Central. Como essas taxas têm impacto direto nas contas públicas, por incidir sobre boa parte da dívida interna, o BC ficaria impossibilitado de elevá-las no caso de qualquer eventualidade.

Por isso, o mais sensato é ampliar o superávit primário, para se conseguir uma redução constante da relação entre a dívida interna e o PIB, caminho que inexoravelmente levará ao déficit zero. Mas sem camisas-de-força.