Título: PROMESSA DE INDENIZAÇÃO
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 26/07/2005, O Mundo, p. 25

Comissão de inquérito diz que brasileiro foi executado com oito tiros. Amorim exige apuração

Num dia marcado por mais pedidos de desculpas das principais autoridades do Reino Unido pela morte de Jean Charles de Menezes, bem como por sinais de tensão entre os governos britânico e brasileiro, o ministro britânico do Exterior, Jack Straw, afirmou ontem que as autoridades do país, incluindo a polícia de Londres, se comprometeram a agilizar procedimentos como a liberação do corpo do eletricista mineiro e as negociações para uma indenização para a família. Straw, que teve um encontro com o chanceler brasileiro, Celso Amorim, deu a entender que a compensação aos parentes de Menezes poderá ocorrer de comum acordo, sem a necessidade de um processo judicial.

O ministro também desmentiu as alegações feitas pela BBC de que o brasileiro estava em situação irregular, hipótese que tem sido ventilada pela mídia britânica como explicação para a versão apresentada pela polícia de que ele teria corrido ao ser abordado por agentes à paisana na entrada da estação do metrô de Stockwell e dado início a uma perseguição que terminou num vagão de um trem. Por sinal, o primeiro anúncio da Comissão Independente de Reclamações da Polícia (IPCC), criada por Straw durante sua passagem pelo Ministério do Interior, foi que Jean morreu com oito tiros, sete na cabeça e um no ombro, contrariando a informação original de cinco disparos.

¿ As informações que recebi eram de que o senhor Menezes estava legalmente no país. Lamento profundamente o que aconteceu com ele e gostaria de reiterar que a polícia de Londres já se comprometeu a agilizar os procedimentos em relação a esse episódio sombrio, inclusive a liberação do corpo e o eventual pedido de indenização por parte da família ¿ disse Straw.

Fontes diplomáticas brasileiras disseram ao GLOBO que a polícia já teria informado a decisão de não questionar uma ação cível por parte dos parentes. Até porque a admissão pública de um erro por parte da força, que no dia da morte do brasileiro afirmou ter eliminado um possível terrorista suicida, já teria facilitado a missão dos advogados contratados pela família. Especialistas legais especulam que o valor da indenização poderá chegar a US$2 milhões (R$4,79 milhões).

O ministro britânico aproveitou também para dizer que mora há 25 anos em Stockwell e que, quando jovem, participou de eventos da comunidade luso-brasileira na região. Ele agradeceu à contribuição de portugueses e brasileiros para a vida cultural londrina, mas tinha uma expressão tensa diante das perguntas da imprensa. E o fato de que Amorim não hesitou em fazer apartes às suas respostas e de ter falado apenas em português, embora domine o inglês, deixou no ar a impressão de que o encontro dos dois a portas fechadas não teria transcorrido numa atmosfera tranqüila.

¿ Recebemos garantias do governo britânico de que haverá uma profunda investigação sobre a morte de um brasileiro inocente e pacífico, incluindo os pedidos da família de Menezes por uma segunda autópsia, mas só podemos nos dizer satisfeitos com as providências quando virmos as etapas cumpridas. Entendemos o momento que os britânicos vivem, mas reafirmamos nossa posição de que o combate do terrorismo tem de levar em conta o respeito aos direitos humanos. Do contrário, pode acabar servindo aos propósitos dos terroristas ¿ afirmou Amorim.

Em outro momento, Amorim, dizendo estar falando algo que não fora conversado antes com Straw, afirmou:

¿ Se a família colocar em dúvida a investigação, vamos pedir para haver uma averiguação. Creio que não haverá problemas.

Horas antes, na residência oficial de Downing Street, o primeiro-ministro Tony Blair disse estar desesperadamente sentido com a morte do brasileiro e ser solidário com a dor da família de Jean. Blair, no entanto, também pediu compreensão para o trabalho da polícia:

¿ Sentimos muito a morte de uma pessoa inocente e entendo perfeitamente a tristeza da família deste jovem. Mas também precisamos compreender que a polícia tem trabalhado em circunstâncias extremamente complexas e que a força também teria sido criticada caso a situação fosse diferente e envolvesse falhas na ação contra um terrorista suicida.

Policiais passaram por interrogatório

Já o prefeito de Londres, Ken Livingstone, preferiu considerar Jean uma vítima da ameaça do terrorismo à capital, mas também mostrou-se solidário à ação da polícia:

¿ Peço apenas que as pessoas pensem nas opções que os policiais tinham diante dos eventos da última sexta-feira em Stockwell. Sintam-se gratos por vocês não terem sido responsáveis por elas.

O diretor da IPCC, Nick Hardwick, em entrevista à BBC, na noite de ontem, disse que os agentes envolvidos na execução do eletricista serão processados caso sejam comprovadas irregularidades na ação e que já teriam prestado depoimentos iniciais à comissão.

Parentes de Jean Charles encontraram-se ontem com Amorim e oficializaram o envolvimento da renomada advogada britânica Gareth Peirce, uma das maiores especialistas em direitos humanos do mundo, para acompanhar o caso da morte do eletricista mineiro. Peirce é uma fonte histórica de dores de cabeças para o governo britânico e foi contactada por um dos amigos de Jean, o promotor de eventos Fausto Soares.

¿ A polícia vai ter que pagar, até porque ela vai matar outras milhares de pessoas se algo não for feito a respeito da morte do meu primo. Eles mataram o Jean, mas poderia ter sido com qualquer um ¿ disse Alex Pereira, na porta da residência do embaixador brasileiro para o Reino Unido, José Maurício Bustani, onde houve o encontro com Amorim.