Título: Sopros no fogaréu
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 27/07/2005, O Globo, p. 2

A radicalização política vai se aproximando do paroxismo, de um incêndio de grandes proporções em que todos atiçam as chamas com palavras e gestos - e isso vale para o presidente com a retórica persecutória dos últimos dias e para os partidos com sua guerrilha de denúncias. Os nervos do mercado finalmente tremeram. Caiu na fogueira o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, e o ex-ministro José Dirceu foi cabalmente comprometido pela mulher de Marcos Valério, Renilda, que o declarou conhecedor dos empréstimos bancários ao PT. Mas houve um notável recuo da oposição, que ontem afirmava nunca ter pensado em pedir o impeachment de Lula.

Não é verdade: muitas foram as notícias da semana passada dando conta de conversas neste sentido, entre tucanos, entre pefelistas e entre uns e outros. Muitas foram as declarações públicas neste sentido, depois da desastrada entrevista do presidente em Paris. Mais notáveis, as dos senadores ACM e César Borges e a da deputada Denise Frossard. Houve o jantar do alto tucanato no domingo, registrado ontem no GLOBO. O fantasma de um governo José Alencar freqüentou todas as conversas. O senador Jefferson Peres chegou a propor um acordo entre os quatro grandes partidos para garantir a intocabilidade do mandato de Lula. E foi a percepção destes movimentos, diz-se no Planalto, que levou o presidente ao passo defensivo, de explicitar que tem apoio popular.

Um dos momentos paroxísticos de ontem foi o confronto verbal entre o líder do PSDB, Arthur Virgílio, e o do governo, Aloizio Mercadante, por conta da reportagem do GLOBO, mostrando que o esquema Valério teve origem em Minas, em 1998, na campanha do senador Azeredo. O tucano repeliu violentamente a comparação entre os dois esquemas, obviamente imperfeita no que diz respeito aos volumes movimentados e à magnitude do esquema montado por Valério-Delúbio. Mas a revelação do ovo da serpente certamente moderou alguns ânimos. Vejamos o do senador tucano Sergio Guerra, destacado membro da CPI:

- A economia não está contaminada mas tivemos espasmos de insegurança diante da crise. A meu ver, dois fatores contribuem para que ela não saia de sua escalada de agravamento e aponte para algum desfecho previsível. Primeiro, o comportamento do presidente, quando tenta nos intimidar com atos populistas. Não é nosso objetivo tomar-lhe o mandato, a não ser que tal situação seja imposta por fatos, mas isso não está configurado. Não estamos conspirando contra seu mandato. Nossa obrigação é investigar, e se este é também o desejo do governo, não há razão para atos de desespero. Depois, está faltando objetividade à própria oposição, que precisa sair da frente das câmeras, sair desta sala (a da CPI) para dimensionar os fatos que já conhece.

Os fatos já conhecidos apontam para algumas cassações e diversos pedidos de indiciamento. E exige a aprovação de mudanças diversas, sobretudo no sistema político-eleitoral. Mas é cedo ainda para adotar tais procedimentos, faltando tanto a esclarecer. Ainda mais agora, com sinais de que as atividades pré-PT de Valério também serão investigadas.

O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, também falava ontem um tom abaixo do que foi usado pelos pefelistas na semana passada:

- Nós nunca pedimos o impeachment do presidente nem teríamos como fazer isso com base em indícios e deduções. Ele é que revela insegurança quando busca nos dizer que pode reagir mobilizando os que acreditam nele e o apóiam. Foi a isso que o mercado reagiu.

Vê-se na oposição um sopro de moderação, mas insuficiente e inútil se o governo também não se pronunciar em outro tom.