Título: UM PITBULL COM LIMINAR
Autor: Gustavo Goulart e Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 27/07/2005, Rio, p. 16

Justiça autoriza donos de cadela a levá-la para passear de dia e sem focinheira

A luz do sol vai voltar a brilhar hoje para Namura, uma cadela pitbull de quatro anos e oito meses que desde o último dia 5, assim como todos os outros cães de sua raça, além de dobermanns, filas e rotweillers, só tem tido o direito de passear das 22h às 5h com focinheiras e enforcadores, como determina o decreto 37.921 da governadora Rosinha Garotinho. A dona de Namura, a fisioterapeuta e mestranda em ciência da motricidade humana Micheline Batista de Maulaz, de 26 anos, impetrou um mandado de segurança contra o decreto e conseguiu na Justiça uma liminar dando a ela e ao marido o direito de passear com Namura a qualquer hora do dia e da noite e sem focinheira.

O desembargador Fabrício Bandeira Filho, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJ), baseou-se nos argumentos dos advogados do casal, Marcelo Rebibout e Mery Chalfun, para expedir a liminar. Segundo o advogado, o desembargador ainda vai decidir se cassa o decreto da governadora. No mandado de segurança, o advogado utilizou-se do artigo 225, parágrafo 1º , inciso VII da Constituição federal. O artigo diz o seguinte: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". O 1º parágrafo incumbe o poder público da responsabilidade de cumprir o que diz o inciso VII: "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade".

- Criamos Namura praticamente como se fosse uma filha. Ela dorme na cama com a gente, só come ração boa, sempre recebe carinhos e nunca batemos nela. Faz parte da nossa família. Namura nos entende e obedece - contou Micheline, que mora com o marido e a cadela num apartamento no Leblon. - Estou muito feliz com a decisão da Justiça. Não agüentava mais vê-la sofrendo. Ela só faz necessidades dentro de casa quando passa mal, e nunca voluntariamente. Estava tendo que esperar até as 22h para poder sair e meu medo era que isso causasse problemas renais.

Governo deverá recorrer da decisão

O procurador-geral do Estado, Francesco Conte, garantiu ontem que vai recorrer da decisão judicial mesmo que o governo não tenha sido ainda notificado oficialmente.

- Do ponto de vista jurídico a decisão do desembargador é profundamente equivocada e se coloca na contramão dos anseios da própria comunidade. O decreto obedece ao princípio constitucional da razoabilidade. Não é admissível que se possa colocar em risco as pessoas nas ruas.

O decreto da governadora regulamentou de forma ainda mais rigorosa o inicialmente previsto na lei 3.205/1999 do deputado estadual Carlos Minc (PT), cujo texto estabelecia restrições apenas para os pitbulls. Ao tratar dos cães dessa raça, porém, o decreto determinou medidas que, caso sejam cumpridas à risca, vão levar em poucos anos à extinção da raça no Rio. A importação, a venda e a criação de pitbulls por canis e particulares estão expressamente probidas. Após 120 dias, a contar do dia 5, cães puros ou mestiços da raça terão de ser esterilizados e cadastrados na Secretaria de Segurança. Os cães de todas essas raças, segundo o decreto, que obteve também emenda da deputada Alice Tamborindeguy (PSDB) determinando o horário para a circulação de animais considerados ferozes, têm que ser conduzidos por maiores de 18 anos e não podem passear por locais de grande aglomeração, como praças, jardins e parques públicos.

20 DIAS DE POLÊMICA

A lei regulamentada pela governadora Rosinha Garotinho há 20 dias é dura para cachorro - e também para os donos de cães das raças pitbull, rottweiller, fila, dobermann e outras consideradas ferozes. Dois dias depois de o decreto regulamentando a lei entrar em vigor, o produtor de eventos Renato Peixoto Leal Filho foi mordido - no bolso. Por ter sido flagrado passeando com dois rottweillers, sem focinheira nem enforcador, pela Praia da Barra, fora do horário permitido, ele foi levado à delegacia com seus cães e multado em R$8 mil. Renato alegou não saber que a circulação da raça estava restrita ao horário das 22h às 5h.

No dia seguinte à detenção, um menino de 3 anos teve uma orelha mutilada por dois pitbulls em Jacarepaguá. Mesmo assim, quatro dias após a publicação do decreto, donos de cães e defensores da lei fizeram manifestações quase simultâneas na cidade: enquanto de manhã o deputado Carlos Minc (PT) distribuía cartilhas sobre a sua lei no Aterro do Flamengo, no início da tarde moradores usando até focinheiras protestavam em Laranjeiras pelo direito de passear com seus bichos.

Nesses 20 dias, o que não faltou foi briga, principalmente nas áreas de lazer da Zona Sul. No Parque do Flamengo, guardas municipais apreenderam no domingo retrasado dois dogues brasileiros e um buldogue francês achando que eram três pitbulls. A PM foi chamada e levou os proprietários, os dogues e os guardas para a delegacia. Na Lagoa, uma mulher bateu boca com outros freqüentadores, entre eles um juiz, ao passear na ciclovia com seu rottweiller, sem focinheira e em horário proibido por lei. PMs foram acionados e ela fugiu correndo com o cachorro, deflagrando uma perseguição policial pelo bairro. Outros mudaram seus hábitos para se adaptar à lei, seja passeando com o pitbull na caçamba da picape para tomar sol, como vem fazendo o adestrador Antonio Rocha Santiago Filho, seja dormindo mais tarde ou madrugando para passear seu cão.

Ataque a menino tem duas versões

Policiais da 58ª DP (Posse) começaram ontem a investigar o ataque sofrido por Brian Couto da Silva, de 7 anos, de um cão da raça pitbull, na terça-feira, em Nova Iguaçu. Há duas versões para o caso: os donos do cão dizem que ele estava dentro de casa. Já a família do menino Brian diz que o ataque foi na calçada. O garoto, que levou várias mordidas pelos rosto, ainda está internado no Hospital Souza Aguiar, mas está fora de perigo. A direção diz que não há previsão de alta.

O delegado Roberto Cardoso informou que todos os envolvidos no caso serão ouvidos pela polícia. Se ficar comprovado que houve negligência dos donos do cão, eles poderão responder pelo crime de lesão corporal culposa.

A mãe de Brian não se conforma com o que aconteceu. Adriana conta que anteontem à tarde o filho brincava na calçada de casa, quando um pitbull, criado pelo vizinho, pulou o muro e foi para cima da criança:

- Eu não estava presente, eu estava lavando roupa, mas os vizinhos disseram que ele estava no meu portão. O cachorro da vizinha tem o hábito de pular o muro e nunca está de focinheira. Então pulou o muro e veio atacar meu filho.

Ela diz ainda que o filho só se salvou porque um amigo do dono do cachorro conseguiu puxar o animal. Os donos do pitbull têm uma outra versão. Eles disseram que o acidente aconteceu no quintal da casa deles.

- O menino entrou, veio falar comigo e aí, na hora de ele sair, ficou sai, não sai, e foi nessa hora que o cachorro foi em cima dele. O cachorro estava dentro, não foi na rua em momento algum - alega Maria Marta Costa, dona do cão.

A lei do pitbull, que entrou em vigor no início do mês, proíbe a circulação das raças consideradas ferozes entre 5h e 22h. Brian levou vários pontos no rosto. Os médicos do Hospital Souza Aguiar disseram que ele não corre o risco de perder a vista esquerda.

Legenda da foto: O PITBULL E O POODLE são levados para tomar sol dentro da caçamba da picape