Título: Deu a louca nas projeções
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 26/10/2004, Economia, p. 21

Oerro coletivo do mercado financeiro nas estimativas de inflação no mês passado levantou novas suspeitas sobre a qualidade das projeções macroeconômicas no Brasil ¿ números que o próprio Banco Central (BC) leva em conta na hora de decidir a política monetária. Três das mais importantes taxas de inflação do país ¿ incluindo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência do sistema de metas ¿ tiveram em setembro resultado equivalente à metade do esperado pela centena de instituições que têm os números acompanhados pelo BC. Uma passada d¿olhos nos relatórios semanais confirma o sobe-e-desce ao longo deste ano: o IPCA de 2004, que em janeiro era estimado em 6,01%, estava ontem em 7,18%; a variação do Produto Interno Bruto (PIB) saiu de 3,66% para 4,56%; a expectativa para a taxa básica de juros em dezembro saiu de 13,5% para 17% ao ano. Nem a balança comercial escapou: em dez meses, o saldo passou de US$ 20,4 bilhões para US$ 32,6 bilhões.

Até a projeções para 2005 já sofreram correções. No caso do IPCA, a maioria das estimativas saiu de 5% em janeiro para 5,89% no relatório divulgado ontem. A taxa Selic subiu de 12,5% para 15,5% e a balança comercial, de US$ 19,6 bilhões para US$ 27 bilhões. As projeções para o PIB variam entre 3,5% e 3,6%. Nos dois anos analisados, o dólar apresenta oscilação pequena: um recuo de R$ 3,10 para R$ 2,95 em 2004; e de R$ 3,28 para R$ 3,10 em 2005.

Não faltam explicações para tamanha oscilação nas estatísticas. A primeira delas está relacionada à própria natureza da atividade: previsões não são infalíveis. Erros acontecem. No Brasil e em qualquer país do mundo, sublinha o economista Elson Teles, da Fides Asset Management, uma das instituições Top Five do BC em previsões de inflação:

¿ Os analistas estão sempre errando, isso é normal, especialmente quando se faz projeções em prazos curtos. A realidade é muito mais dinâmica do que qualquer estimativa. Nosso trabalho é minimizar o quanto possível os erros.

Queda de alimentos surpreendeu

No mês passado, os analistas foram surpreendidos pelas fortes quedas nos preços dos alimentos in natura , que derrubaram os índices de inflação. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apurou variação de 0,33% no IPCA, quando o mercado esperava 0,50% na semana da divulgação e 0,60% um mês antes. O mesmo ocorreu com o Índice Geral de Preços (IGP-DI). A Fundação Getúlio Vargas (FGV) calculou-o em 0,48%; o relatório de mercado de 1 de outubro previa 0,80%. Já o Índice de Preços ao Consumidor (IPC-Fipe) ficou em 0,21%, metade da expectativa média de 0,40%.

Ironicamente, os projeções do mercado são levadas em conta pelo BC na hora de fixar os juros básicos. Todo mês, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) traz uma análise das projeções da média do mercado e dos Top Five, as cinco instituições que mais acertam. E a diretoria não esconde que suas decisões têm como objetivo levar as estimativas do mercado para a meta de inflação. O BC não quis se pronunciar sobre o fato de considerar números tão voláteis em suas análises. Mas o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, salienta que, especialmente neste 2004, o BC tem surpreendido o mercado com expectativas certeiras:

¿ No início deste ano, foi o BC quem antecipou que o ritmo de crescimento da economia estava acima do esperado e havia riscos para a inflação. As atas do Copom no primeiro trimestre eram claríssimas. O BC via o que o mercado não enxergava. Isso, em parte, deu início à correção nas projeções.

Embora 2004 não chegue nem perto da instabilidade dos três últimos anos, os economistas chamam a atenção para fatores externos que ajudaram a confundir os modelos de projeções. Apenas o preço do barril de petróleo subiu 65% no mercado internacional desde janeiro. Outras commodities de grande importância, como minério-de-ferro, aço e celulose, também se valorizaram além da conta.

¿ As projeções são calculadas com base nas informações disponíveis, mas muitas vezes surgem elementos inesperados. No cenário internacional, 2004 não foi um ano calmo: preços importantes oscilaram muito mais do que seria possível prever. O próprio crescimento mundial foi revisto para cima pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). Internamente, o mercado iniciou 2004 muito cético em relação ao crescimento brasileiro. Tudo isso tem influência ¿ diz o economista Marco Antonio Franklin, sócio da Plenus Gestão de Recursos.

Professor do Ibmec-RJ e ex-Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Hamilton Kai é outro que considera normal as mudanças nas projeções. Ele lembra que não apenas as estimativas, mas os próprios indicadores da economia brasileira variam muito de um mês ou de um ano para o outro:

¿ É preciso ver que a volatilidade dos indicadores no país também é grande. As séries históricas dos índices são relativamente curtas e, nos últimos dez anos, tivemos eventos variados afetando a economia: Plano Real, mudança cambial, racionamento de energia e outra grande desvalorização da moeda em 2002. Ocorreram inúmeros fatores que têm impacto nas previsões.

Economia mudou muito em dez anos

Por fim, os analistas citam algumas mudanças em pesquisas conjunturais que alimentam os modelos de projeções. Dois anos atrás, o IBGE lançou a nova Pesquisa Mensal de Emprego (PME), cuja série começou no último trimestre de 2001. Este ano, o instituto alterou sua Pesquisa Industrial Mensal (PIM), que também ainda não foi integralmente absorvida pelos economistas e seus sistemas. Até o Ipea tem errado as previsões para a indústria.

Mudanças estruturais na economia ajudam no desencontro das estatísticas. Boa parte dos indicadores macro é calculada nos grandes centros urbanos que, ultimamente, vêm perdendo espaço para o interior. Cunha, da PUC-Rio, cita como exemplos dessa transição, ainda pouco explicada, o vigor do agronegócio e o aumento do emprego formal fora das metrópoles. E Elisa Reis, também da Plenus, resume:

¿ Erra-se muito porque todo mundo exige demais dos analistas. Sempre que se trabalha com projeções estatísticas deve-se ter em mente um intervalo de confiança, como nas pesquisas eleitorais. O próprio Banco Central usa um leque de probabilidades em seus relatórios de inflação (que são divulgados trimestralmente). No entanto, na hora de olhar os números, as análises se concentram no centro das projeções. É difícil uma estimativa de curto prazo ser tão específica.