Título: CAUTELA É A ESTRATÉGIA DO GOVERNO, QUE DESCARTA MEDIDAS DE BLINDAGEM
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 28/07/2005, Economia, p. 27

Fazenda evita comentários que associem crise política à economia

BRASÍLIA. O governo acompanha com cautela os desdobramentos da crise política, mas não pretende inovar com medidas de blindagem para evitar o contágio na economia, por considerar que não houve contaminação. Por essa razão, a estratégia é evitar movimentos bruscos, para não provocar leituras equivocadas pelo mercado.

¿ Você já tentou dar um remédio para um gato? Ele vai ficar com medo e atacar você. O gato é o mercado ¿ disse uma fonte da equipe econômica, que não admite sequer especulações sobre uma possível retomada da trajetória de alta da taxa de juros pelo Comitê de Política Monetária (Copom) para impedir a saída de capitais do país.

Para o Ministério da Fazenda, a maior blindagem neste momento é o silêncio. Por isso, a recomendação de Antonio Palocci é para que pessoas do governo ¿ ou políticos ligados a ele ¿ evitem declarações vinculando a crise política à economia.

¿ A exploração desse discurso pode despertar uma leitura desfavorável quanto aos fundamentos econômicos ¿ afirmou essa fonte.

Ministro Palocci evita perguntas sobre o assunto

A avaliação da área econômica é que realmente há volatilidade no mercado. Mesmo assim, o país conta com um grande fluxo de ingressos, tanto decorrente de exportações como de investimentos.

A suspensão da compra de dólares pelo Tesouro tem a ver com a conjuntura, assim como a oferta menor de títulos, devido ao cabo-de-guerra entre governo e mercado por causa dos juros. Mas, especificamente no primeiro caso, há outro fator: o Tesouro já comprou grande parte dos dólares que havia programado para 2005.

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse ontem a outros ministros que as oscilações de segunda-feira foram isoladas. Palocci conversou sobre o assunto, por exemplo, com o ministro Jaques Wagner (Relações Institucionais), o novo articulador político do governo. Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem reiterado que não tomará nenhuma medida intempestiva e que é fundamental manter a estabilidade e a solidez econômicas.

¿ O ministro Palocci me disse que continua monitorando o mercado, mas a avaliação é que foi algo absolutamente pontual. Para mim, continua consistente e sem abalo ¿ disse Wagner.

Ontem, na saída de uma reunião com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, Palocci não respondeu a perguntas sobre a possibilidade de contágio da crise política na economia.

A economista Rachel Fleury, da Tendências, disse que a suspensão temporária das compras de dólares pelo Tesouro melhorou o humor do mercado. Tanto assim que, na terça-feira, a Bovespa fechou em alta de 1,38% e o dólar recuou para R$2,45:

¿ O Tesouro disse exatamente o que o mercado queria ouvir. Uma intervenção neste momento pode ser muito perigosa para o país.

Décio Munhoz, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, concorda que ainda não houve contágio e enfatizou que a economia real está sendo influenciada não pela crise política, mas pelos juros altos e a carga tributária:

¿ No mundo financeiro, o financiamento de atividades produtivas é afetado pelo Copom. O impacto político ocorreria nos fluxos de recursos internacionais, no capital de curto prazo, o que não está ocorrendo.