Título: JURO ALTO DEIXA POLÍTICA CAMBIAL NA BERLINDA
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 28/07/2005, Economia, p. 29

Especialistas criticam contradição do governo em acenar com medidas protecionistas para compensar exportadores

RIO e BRASÍLIA. A contínua valorização do real este ano ¿ apesar da volatilidade do mercado nos últimos dias, o dólar está abaixo de R$2,50 desde maio ¿ já afeta a competitividade das exportações brasileiras a ponto de o próprio governo ter acenado, na semana passada, com o aumento de algumas tarifas de importação. Mas, diante das elevadas taxas de juros do país (que atraem investimentos de curto prazo derrubando o dólar) e da ameaça cada vez maior de uma turbulência financeira com o agravamento da crise política, especialistas em comércio exterior e analistas das mais diversas correntes avaliam que a equipe econômica tem sido excessivamente tímida em sua política cambial.

Para Paulo Rabello de Castro, diretor-presidente da RC Consultores, é um paradoxo o governo deixar o real perder competitividade e, ao mesmo tempo, ensaiar medidas protecionistas para compensar os exportadores. Na sua opinião, o governo parece ignorar os efeitos nocivos dos juros altos sobre a taxa de câmbio.

¿ Quem pratica o câmbio flutuante tem a obrigação de fazer um alinhamento com a tendência dos juros internacionais. Este governo não tem política cambial ¿ afirma.

Real forte já afeta venda de produtos manufaturados

Paulo Rabello acrescenta que, para ser compatível com as taxas internacionais, os juros brasileiros deveriam ser de, no máximo, 14% ao ano. Na semana passada, o Banco Central (BC) manteve a taxa básica do Brasil em 19,75% pelo segundo mês seguido. O economista Ricardo Carneiro, da Unicamp, lembra que, com os juros altos e a valorização cambial, um investidor estrangeiro que aplicou em reais há 12 meses obteve um rendimento, em dólar, de 40%.

¿ É uma rentabilidade que compete com o ganho de atividades ilícitas, como tráfico de cocaína ¿ diz Carneiro.

Paulo Nogueira Batista Júnior, professor da FGV-SP, também vê nos juros altos o maior motivo para a perda de competitividade das exportações. Ele afirma que as medidas protecionistas estão na margem de manobra que o país dispõe no Mercosul e na Organização Mundial do Comércio. Na semana passada, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, disse que o governo estuda elevar a Tarifa Externa Comum (TEC) de alguns produtos, como calçados.

¿ São ações que podem fazer frente a uma onda de importações que alguns setores estão sofrendo, em parte por causa do câmbio. Mas o problema não se resolve assim. A aberração principal brasileira é a política de juros do BC.

Paulo Nogueira lembra que a alta do real já afeta as exportações de manufaturados. Dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior mostram que, em junho, o volume exportado desses bens cresceu 8,70% frente ao mesmo mês do ano passado, contra uma alta de 30% em janeiro.

Para analista, Brasil perdeu chance de elevar reservas

O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, afirma que a valorização do real teve, para os exportadores, o mesmo efeito que uma súbita queda de tarifas:

¿ Aumentar a TEC é uma alternativa extrema e localizada. Com o câmbio de hoje, é como se o Brasil tivesse feito uma enorme e repentina abertura comercial ¿ diz Castro.

Paulo Rabello de Castro acredita que o governo pode ter perdido um bom momento dos mercados financeiros para comprar dólares, segurando as cotações e, assim, aumentando suas reservas cambiais. Desde 2003, o governo já comprou US$15,27 bilhões no mercado e, até o fim do ano, as reservas cambiais devem chegar a US$42 bilhões, contra US$16 bilhões em dezembro de 2002. Mas Paulo Rabello acha pouco: na sua opinião, as reservas deveriam estar em pelo menos US$80 bilhões.

Agora, acrescenta o analista, o risco é que o cenário nos mercados se deteriore ¿ devido à crise política ou à instabilidade provocada pela mudança cambial na China ¿ e o Brasil perca a oportunidade.

¿ Podemos ficar no pior dos mundos: mantivemos o real valorizado, mas os juros ainda não começaram a baixar.

COLABOROU Enio Vieira