Título: SÓ O PETISMO SALVA O PT
Autor: Chico Alencar
Fonte: O Globo, 28/07/2005, Opinião, p. 7

¿Para quem quer crescer, todo erro é pedagógico.¿ Paulo Freire

Produto da resistência à ditadura e das lutas sociais da década 70, o Partido dos Trabalhadores construiu, nos últimos 25 anos, uma nova forma de fazer política no Brasil, voltada para a organização popular e para a superação das desigualdades. Mas o PT enfrenta, hoje, a maior crise de sua história. Ela acontece justo quando ascendemos ao governo da República e deriva de alianças políticas com partidos e personalidades de viés fisiológico e compromisso duvidoso com a moralidade pública. A crise de destino do PT vem também de render-se, no governo, a uma política econômica ultra-ortodoxa e essencialmente continuísta, refém do capital financeiro, que não alavanca a prometida retomada do crescimento econômico com distribuição de riqueza e renda.

Esta crise, que também é desafio de superação, tem como conseqüência a quebra do ânimo militante ¿ marca registrada do petismo ¿ e o gravíssimo desgaste da imagem do partido como instrumento de transformação social e ética na política. Este patrimônio, que sempre cimentou nossas práticas de governos transparentes e participativos, está gravemente ameaçado por denúncias que, mesmo veiculadas por figuras de baixa credibilidade, são verossímeis e não tiveram resposta clara e contundente.

Óbvio que os conservadores de todos os matizes ¿ da direita mais reacionária aos neoliberais modernos ¿ operam intensamente por sua volta ao poder, do qual nunca se afastaram totalmente. Mas inferir daí ¿movimentos conspiratórios e golpistas¿ não ajuda a enfrentar os problemas que, em boa parte, nós mesmos criamos. Fazer o jogo da oposição é adotar seus carcomidos procedimentos, inclusive de tentar inviabilizar CPIs, blindar correligionários e apostar exclusivamente nos métodos convencionais de governabilidade, abandonando os elos vivificadores com movimentos e organizações da sociedade.

O governo Lula, neste ano e meio que tem pela frente, precisa produzir um choque ético-político. Ele deve começar pela requalificação da base de sustentação parlamentar, o que implica a eliminação de qualquer acordo baseado em troca de votos por cargos ou liberação de emendas parlamentares individuais ¿ para não falar de espúrias e criminosas mesadas, tão absurdas que demandam urgentíssima comprovação. A Lei de Diretrizes Orçamentárias também sinalizará (ou não) a vontade de implementar a necessária inflexão na política econômica, com retomada da queda dos juros, redução do superávit primário e descontingenciamento de recursos públicos.

A sociedade clama por uma luta sem fronteiras contra a corrupção, ¿não deixando pedra sobre pedra¿ nas urgentes apurações, e o Congresso deve se inspirar no competente trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público. Nesta linha, era regra elementar o afastamento de ministros acusados de ilícitos pela Procuradoria Geral da República, até a conclusão dos processos no Supremo Tribunal Federal.

Soma nesta reorientação, além da redução dos cargos comissionados, a priorização, para o seu preenchimento, de servidores de carreira, com competência técnica, reputação ilibada e compromisso com as diretrizes de governo. É também imperioso o estabelecimento de fronteiras entre partido e governo, evitando que dirigentes partidários sem funções oficiais façam negociações envolvendo a administração federal. Isso gera tráfico de influência e nefasta parceria entre interesses públicos e privados.

A retomada da iniciativa tem que se dar também no Congresso. Que haja, afinal, empenho na reforma política, popularizando seus temas, com ênfase no financiamento público exclusivo das campanhas e na fidelidade partidária. Que todos os detentores de cargos eletivos tenham seus sigilos fiscal e bancário abertos durante o exercício dos mandatos, e que também não possam obter, neste período, concessões para exploração de emissoras de rádio e televisão.

Sem estas iniciativas básicas, o governo e o PT, partido político em conflito com seu lastro doutrinário, correm sérios riscos. Mas a crise da ética pública, alimentando o crescente desencanto, afetará sobretudo o próprio regime republicano, que não existe sem cidadania ativa. Esta, de consciência limpa, clama no Brasil por uma imediata Operação Mãos Limpas.

CHICO ALENCAR é deputado federal (PT-RJ).