Título: Educação alimentar
Autor: XICO GRAZIANO
Fonte: O Globo, 26/10/2004, Opinião, p. 7

Obesidade. Os estudos sobre nutrição mostram essa terrível epidemia se alastrando no país. As pessoas com peso acima do normal superam os desnutridos. Comida tem, falta saber melhor se alimentar.

O Ministério da Saúde estima que 6% dos homens e 12% das mulheres com mais de 18 anos sofrem da doença. Na última década, os índices dobraram. Mais surpreendente ainda: a obesidade infantil cresce entre famílias pobres.

Aqui reside o grande problema: nas crianças. Distúrbios nutricionais configuram porta de entrada para futuras doenças, como a diabetes. Dietas mal balanceadas, ricas em carboidratos, encontram no sedentarismo sua escora. E a televisão estriba a gordura.

Na década de 70, pensar moderno significava, nessa matéria, discutir abastecimento popular. Com o crescimento das cidades, as massas urbanas demandavam políticas de acesso à comida barata.

Passados 30 anos, tudo mudou. A força da iniciativa privada liberou o abastecimento das ações públicas diretas. Do governo se exige, agora, mais poder regulatório, maior fiscalização do comércio.

A questão alimentar mudou de cara. Novos hábitos de consumo, influenciados decisivamente pela propaganda, caminharam na contramão da saúde. Produtos industrializados, de qualidade duvidosa, inundam os domicílios, enquanto a correria da vida impulsiona os fast-foods. O arroz-feijão virou sanduíche.

Nunca se desperdiçou tanta comida, nem jamais se comeu tão mal. Caloria escondida em gororoba insossa. Pegue-se o exemplo do sorvete: baratos, gosto de isopor!

Um das vilãs é a gordura insaturada, um emulsionante hidrogenado utilizado para engraxar os alimentos. Aumenta os lucros das empresas e reduz a qualidade da mordida. Um perigo na saúde pública.

Os municípios ensaiam intervir nesse processo. Seria fundamental, realmente, que se preocupassem mais com políticas de educação alimentar. Nas cantinas escolares, deveria ser proibido vender produtos gordurosos, refrigerantes e porcarias artificiais. Jogo duro contra a obesidade infantil.

Programas de conscientização sobre o valor nutricional dos alimentos, ao lado de campanhas contra o sedentarismo, podem facilitar a reversão do quadro epidêmico da obesidade. Selecionar a mordida e gastar energia é a receita correta.

Seria uma ótima oportunidade para estimular o consumo de gêneros naturais. Suco de frutas substitui com vantagem as bebidas artificiais; verduras e legumes auxiliam a digestão. Menos calorias, mais fibras. Pouca energia, muita vitamina.

Em Jundiaí (SP) a prefeitura inovou. Troca cestas de verdura fresca por sacolas de lixo reciclado. Famílias da periferia adquirem hábitos saudáveis de alimentação, e auxiliam na limpeza urbana. A contrapartida impulsiona a pedagogia da alface.

Em Araraquara (SP), a merenda escolar une crianças e agricultores familiares. Essa poderia ser a vertente principal das novas políticas de alimentação. Melhora a comida e fortalece o emprego rural. Os daqui.

Prefeituras, como a de São Paulo, teimam em distribuir leite em pó para as crianças. É melhor que nada, claro. Acontece que o fornecedor adquire o produto no exterior, de vacas estrangeiras. Pior, desconfia-se que o leite em pó importado seja destinado ao arraçoamento animal, de péssimo gosto.

Essa denúncia motivou a Câmara dos Deputados a analisar, em 2001, uma proposição legislativa, de autoria do deputado Abelardo Lupion, visando a adicionar farinha de peixe ao leite em pó importado, quando destinado para consumo animal. O truque impediria seu desvio, criminoso, para uso humano.

A proposta nasceu no setor leiteiro do país e contava com o apoio velado do Ministério da Agricultura. Curiosamente, toda a bancada do PT, na comissão de agricultura, votou contra o projeto. Nunca explicaram a razão.

O combate à obesidade, prioridade da política de nutrição urbana, deve valorizar o alimento natural. Enaltece o produto caipira: leite fluido, frutas, legumes. Ganham as crianças e, de quebra, ainda ajuda o emprego no campo. XICO GRAZIANO foi presidente do Incra e secretário de Agricultura de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br.