Título: Perigo e oportunidade
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 29/07/2005, O Globo, p. 2

O deputado Miro Teixeira diz ter aprendido com o colunista Zuenir Ventura que o ideograma chinês que representa a palavra crise é formado pela junção dos símbolos de perigo e oportunidade. Estamos na hora do perigo, diz ele, repetindo sua cobrança da semana inteira sobre o sumiço dos líderes e cardeais políticos, todos cuidando da própria pele. E com isso não se trata também de aproveitar a oportunidade de corrigir tudo o que precisa ser corrigido, o que a seu ver só será possível com uma mini-Constituinte exclusiva em 2007.

Além do sumiço dos líderes, há o sumiço dos ministros. Ao solitário Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, juntou-se agora o coordenador político, Jaques Wagner, que começou a se movimentar. Neste quadro, diz Miro, o presidente vai sozinho ao combate, falando aqui e ali, aproveitando os eventos da agenda.

Miro fazia estas considerações antes do discurso de ontem, em que Lula mencionou a vulnerabilidade da economia, deflagrando uma corrida da equipe econômica para garantir que tudo continua maravilhosamente sólido. Mas é certo que se não estivesse tão só, Lula não falaria tanto e sem encontrar o tom adequado para abordar a crise.

Voltando ao ideograma, e antes de defender a mini-Constituinte, Miro aponta o outro lado da crise, para além das denúncias e do grotesco.

¿ O governo Lula está sendo devassado mas o poder que se enfraquece é o Legislativo, além dos comandos partidários. A elogiável volúpia investigativa e a interatividade propiciada pelos novos meios de comunicação produzem uma comoção em tempo real, ao vivo e em cores, amplificada ao infinito. Nunca houve uma CPI tão elástica, que tudo pode investigar, de seu objeto específico, corrupção nos Correios, ao valerioduto e aos fundos de pensão, recuando agora a 1998. E, no entanto, o presidente mantém sua credibilidade inabalada. Quem some da cena são os líderes e cardeais políticos, deixando-a tomada pela CPI e pelas denúncias. A imprensa nos mostra o espetáculo da liberdade, a PF e o Ministério Público atuam com total independência.

Nelson Rodrigues, diz ainda Miro, acordou numa radiosa manhã em Petrópolis com a vizinha reclamando de um cocô de cachorro em sua porta. Mandou-a levantar os olhos para as montanhas, a floresta e o céu. Estamos vendo coisas mais feias e fétidas mas que se enxergue também a vitalidade com que as instituições democráticas vêm atravessando a crise. E que se olhe para a frente, para o que precisa ser corrigido.

¿ Desde 1997 venho dizendo que a concentração de poderes na esfera federal nos levará a uma crise. Ela não decorre do sistema político-eleitoral, como todos dizem, mas do excessivo poder de Brasília, que tenta os corruptos e os corruptores, que distorce as relações entre o Executivo e o Legislativo.

Miro reescreveu sua proposta de Constituinte revisora, vai encaminhá-la a todos os partidos e ao presidente Lula. Os constituintes seriam eleitos no ano que vem, juntamente com o novo Congresso, para reformar no prazo de um ano a Constituição, do artigo 21 ao 24, o 30, o 37 e seu inciso II, e do 145 ao 162 e conexos. Eles tratam do sistema tributário, da Federação e das atribuições de cada esfera. Não do sistema político-eleitoral, que tantos outros querem modificar. Mas se for aberta esta discussão, o alcance das mudanças será fatalmente ampliado.