Título: Câmara tentará negociar abertura de arquivos
Autor: Isabel Braga e Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 26/10/2004, O país, p. 10

O presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), decidiu assumir as articulações para a abertura dos arquivos do regime militar. João Paulo disse ontem que vai procurar os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica e conversar com o ministro da Defesa, José Viegas, para tentar garantir que a sociedade tenha acesso aos documentos que ainda estão em mãos dos militares.

¿ Vou procurar os chefes das três armas, conversar com o ministro da Defesa e discutir também com as comissões da Câmara uma alternativa pela qual possamos manter a tranqüilidade do momento em que vivemos e, ao mesmo tempo, recuperar a história recente do país de forma transparente e líquida ¿ disse ele.

Nova regra não deve permitir acesso a todos os papéis

No Palácio do Planalto, a orientação, no entanto, é tratar o assunto com cuidado. Na reunião de ontem do núcleo de coordenação política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou cautela aos ministros. O governo já estuda uma solução para o impasse. A regra atual, que impede a abertura de documentos secretos por até 50 anos, será alterada, mas é certo que não mudará para permitir acesso a todos os documentos.

Segundo autoridades do Palácio do Planalto, a intenção do governo é fazer um novo decreto para diminuir prazos de acesso, mas criando uma espécie de filtro antes de liberar documentos secretos ou históricos. Pelo decreto atual, feito no governo Fernando Henrique Cardoso, a liberação para documentos classificados como ultra-secretos é de 50 anos, sendo que a restrição ao acesso pode ser renovada por tempo indeterminado.

De acordo com um ministro, o governo deve fazer uma pesquisa para saber como o assunto é tratado em outros países. A tendência do governo brasileiro é adotar um modelo semelhante aos dos Estados Unidos e da Inglaterra. Nesses países, alguns documentos são liberados depois de um prazo estipulado, mas aparecem com os chamados apagões ou borrões em trechos com informações estratégicas. Seria uma forma de pôr o documento à disposição do público, mas com o chamado filtro de informação.

O presidente Lula deixou claro para mais de um interlocutor que o governo não vai comprar briga com os militares por causa dos arquivos secretos. Ou seja, não quer transformar o episódio em nova crise de governo. Por isso teria optado por uma solução intermediária. A ordem palaciana repassada aos ministros de governo é que se trata de uma questão de Estado que está além de qualquer posição de governo. Ontem, até mesmo ministros que não são da área foram orientados a adotar esse ponto de vista nas entrevistas que concederem nos próximos dias.

Genoino é favorável à redução dos prazos previstos

O presidente do PT, José Genoino, disse ontem que é favorável à redução dos prazos previstos em decreto presidencial para a liberação de arquivos secretos sobre o regime militar. Genoino disse que é preciso examinar todos os documentos e que as famílias têm o direito de ter acesso aos arquivos. Para ele, é preciso prestar contas às famílias.

¿ O prazo deve ser reduzido. Mas, independentemente da redação, o governo deve prestar contas às famílias ¿ disse Genoino.

O próprio Lula já tratou do tema com as Forças Armadas. Em encontro com os comandantes, ele disse que é a favor de ampliar o acesso aos documentos da ditadura. Segundo militares, assuntos considerados segredos de Estado não poderão ser divulgados, sob pena de atrapalhar a política externa do país. Enquadram-se neste caso documentos estratégicos e importantes para a defesa e o desenvolvimento do país, de acordo com o que informou ao GLOBO uma alta fonte das Forças Armadas.

Segundo fontes da Aeronáutica, a Força está disposta a cooperar caso o governo decida abrir os documentos, mas uma nota que está sendo preparada pelo Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (Cecomsaer) poderá frustrar as expectativas. Na nota, a Aeronáutica afirma que o grosso dos documentos relativos ao período da ditadura foi destruído no incêndio do Aeroporto Santos Dumont, em 1998.

Apesar de o ministro da Defesa, José Viegas, garantir que a crise nas Forças Armadas está encerrada, uma parcela do contingente militar ainda não digeriu a nota de retratação do Exército após a divulgação de supostas fotos de Vladimir Herzog. Para oficiais do Exército e setores das outras Forças, a tropa teria se sentido humilhada com a retratação.

Ontem, documentos apócrifos começaram a circular entre os militares. O texto, que imita uma nota oficial do Centro de Comunicação do Exército, fala do inconformismo com a maneira pela qual o tema foi tratado. O informe justifica o uso da força durante o regime militar. "Não há como negar que os militares fizeram uso do exercício cívico da violência como legítima resposta àqueles que, recusando o diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade, tomando a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas", diz o texto.

Clube da Aeronáutica divulga nota sobre assunto

Em nota, o presidente do Clube da Aeronáutica, Ivan Frota, diz que esperava uma resposta enérgica contra supostos ataques que os militares vinham sofrendo. Mas Frota informa que os militares ficaram decepcionados com a segunda nota, em que o Exército se retrata dos termos usados na primeira.

"Com a emissão da primeira nota pelo Centro de Comunicação Social do Exército, pensamos que, finalmente, uma autoridade credenciada tivesse, corajosamente e com despreendimento, elevado a voz para defender o brio ferido dos militares. Lamentamos profundamente que nota posterior a tenha desautorizado, impondo-nos uma decepção", diz a nota de Frota. O texto diz ainda que uma instituição enfraquecida torna-se inútil.

Após a crise com o Exército, cresceu entre os militares a crença de que o ministro Viegas pode mesmo sair do governo depois do resultado do segundo turno das eleições.

LEIA MAIS

Lula pede serenidade na discussão

Enviar por emailVersão para impressãoVoltarTopo