Título: IRA ABANDONA LUTA ARMADA E ADOTA VIA POLÍTICA
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 29/07/2005, O Mundo, p. 54

Decisão histórica entusiasma Blair e anima premier da Irlanda mas é recebida com ceticismo pelo líder unionista

LONDRES. Num pronunciamento histórico, o Exército Republicano Irlandês (IRA), o principal grupo paramilitar envolvido com o terrorismo na Irlanda do Norte, anunciou ontem sua decisão de renunciar à luta armada e de perseguir seus objetivos somente pela via democrática, depois de 36 anos de atividade.

O anúncio, feito no início da tarde por um porta-voz, incluiu um convite para que representantes católicos e protestantes sirvam de testemunhas no processo de destruição do arsenal da organização e foi saudado por autoridades britânicas e irlandesas como um passo significativo para o fim de mais de 30 anos de conflito na Irlanda do Norte.

O premier britânico Tony Blair ¿ cuja política de devolução de poderes autônomos à região ajudou a diminuir a violência na Irlanda do Norte e foi a mola-mestra para o acordo de paz da Sexta-Feira Santa, em 1998 ¿ disse que esta foi uma decisão de ¿magnitude incomparável¿. E destacou que ela permitirá o restabelecimento do funcionamento das instituições. A Assembléia Nacional norte-irlandesa foi dissolvida em 2003, em meio a uma troca de acusações entre republicanos (católicos), que defendem a integração do país à República da Irlanda, e unionistas (protestantes), favoráveis à permanência no Reino Unido.

Líder unionista pede mais concessões do IRA

O premier da Irlanda, Bertie Ahern, foi mais contido e cobrou do IRA a comprovação de suas palavras com ações. Já o líder unionista norte-irlandês Ian Paisley afirmou que apenas mais concessões do IRA poderão garantir a reativação do processo político, sobretudo a divisão de poderes entre seu partido, o DUP, e a principal legenda republicana, o Sinn Fein (o braço político do grupo).

¿ Não é a primeira vez que ouvimos anúncios históricos do IRA, que ainda não incluiu em seu pronunciamento a intenção de abandonar suas atividades criminosas ¿ disse Paisley, numa alusão ao fato de a organização ser também uma das mais ricas máfias européias, atuando em contrabando e narcotráfico. ¿ Ele falhou ao não apresentar o nível de transparência necessária para garantir que todas as armas serão depostas.

O pastor ¿ cujo partido triunfou nas últimas eleições derrotando até mesmo a ala unionista mais moderada ¿ há tempos exige uma entrega pública das armas pelo IRA. A exigência, no entanto, é descartada pelo movimento republicano, que considera a hipótese um sinal de rendição num conflito sem vencedores. Sem falar que o anúncio de ontem ainda indicava o objetivo de reunificação da ilha da Irlanda num só Estado. A reação do líder do Sinn Fein, Gerry Adams, foi de certa forma desafiadora.

¿ Estamos diante de uma enorme responsabilidade para aproveitar o momento de fazer da liberdade irlandesa uma realidade. Convoco todos os republicanos, incluindo os que mostraram dedicação à nossa causa como voluntários do IRA, a usar sua energia na construção de uma nova Irlanda.

Grupo perdeu apoio depois do 11 de Setembro

O pronunciamento do grupo diz que o processo de desarmamento terá como intermediário principal a Comissão Internacional Independente de Desarmamento, chefiada pelo general canadense John de Chastelaine. Os líderes do IRA deram uma ordem para que todos os voluntários cessassem suas atividades militares às 16h de ontem.

Na prática, porém, a renúncia à luta armada foi um passo de sobrevivência dado pelo IRA, que nas três décadas mais recentes foi responsável pela morte de 1.800 pessoas na Irlanda do Norte e na Inglaterra. Desde o 11 de Setembro, a organização perdeu apoio político e popular, sobretudo nos EUA. A situação só fez piorar com um assalto a um banco em Belfast, em dezembro de 2004, e o assassinato de Robert McCartney por integrantes da organização durante uma briga num bar, em janeiro.

Em sua última viagem aos EUA, em março, Adams não foi recebido por George W. Bush e foi esnobado pelo senador Ted Kennedy, o mais ilustre representante da comunidade irlandesa americana.