Título: E as desculpas?
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 31/07/2005, O Globo, p. 2

Lá se vão dois meses de crise, 40 dias de água suja jorrando e não se ouviu um pedido de desculpas do PT por tanta decepção causada, nem que fosse apenas culpando os delúbios e sílvios da antiga direção. Desculpas à militância deprimida, aos milhões de eleitores que se sentem traídos e também aos não-eleitores. Alguns fizeram a sujeira mas todos em algum momento conviveram com ela, fingindo não perceber os sinais da transfiguração.

Para não desaparecer, e ser lembrado apenas pela forma abjeta como jogou fora sua oportunidade histórica, terá o PT que começar pelas desculpas. E depois, cortar mais fundo, não apenas trocando a direção, punindo, expulsando mas descobrindo verdadeiramente onde e como se perdeu, preferindo o poder pelo poder. Afinal, como diz a professora Maria Victória Benevides, nada disso começou anteontem. Tudo talvez tenha começado com a profissionalização dos dirigentes, alguns vivendo há 10, 20 anos, como burocratas do partido. Depois vieram as sedes imponentes, o apego ao marketing, os fluidos do poder. E todos, de alguma forma, assistiram à transmutação.

As vastas conexões partidárias de Marcos Valério mostram a decomposição geral da política em negócios. Que o PT tenha herdado e aperfeiçoado o esquema montado por outros partidos é o sinal mais grave de sua perdição.

Mas, embora alguns continuem enfiando a cabeça na areia, embora Delúbio tenha ofendido o Brasil com um depoimento cínico, perdendo a oportunidade da contrição, e outros neguem um saque até a última evidência, vê-se no partido o desejo de enfrentar sua crise sem fechar os olhos. Carlão Pereira, fundador, ex-presidente do PT de Minas, ex-deputado estadual e hoje vereador, escreve no site que ¿Teoria e Debate¿ abriu à discussão:

¿Alguns gestos são necessários. Primeiro, reconhecer que não somos detentores exclusivos da verdade e que, entre nós, há comportamentos que em nada se diferenciam daquilo que combatemos. Mas, o principal nesse momento é afirmar a verdade. Não podemos mentir ao país. Aqueles entre nós que avançaram sinais, e tudo indica que avançaram, ainda que nada indique apropriações pessoais, devem assumir suas responsabilidades. Isso é apenas o primeiro passo. O segundo, igualmente difícil e sofrido, é repudiar as soluções fáceis.¿

Será duro, diz o deputado estadual Carlos Minc, enfrentar empresas poluidoras, homofóbicos ou violadores de direitos humanos e levar na cara um mensalão ou uma cueca de dólares. Mas vai em frente:

¿ Como pôde um grupo do aparatchik destruir um patrimônio ético construído em 25 anos? A militância vai levantar a cabeça, mostrar a cara, exigir depuração profunda, começando pelos principais responsáveis, por mais que tenham dedicado suas vidas ao partido. E num programa nacional de televisão, o PT deve pedir desculpas à nação explicando como tudo aconteceu e o que está sendo feito para que não volte a acontecer.

O peixe, dizia Mao, começa apodrecer é pela cabeça. A sobrevida do PT dependerá não só de sua extirpação mas também da regeneração do corpo.

Espalhar brasas e radicalizar a crise

Tem-se dito que o deputado José Dirceu fará na terça-feira um depoimento comedido, limitando-se a responder às perguntas relacionadas às denúncias de Roberto Jefferson, evitando terçar armas com ele. Há quem diga que ele pode surpreender, girando a metralhadora, contando tudo o que sabe sobre o esquema de Marcos Valério com Delúbio, com tucanos e quejandos. Em suma, que pode ultrapassar Roberto Jefferson no manejo do ventilador.

Os tucanos parecem pressentir isso. Primeiro, desistiram de cobrar a renúncia do senador Eduardo Azeredo à presidência do PSDB, para evitar a similaridade com a situação do PT. O ex-presidente Fernando Henrique preparava na sexta-feira uma vigorosa reação à revelação do esquema do PSDB mineiro com Valério na campanha de 1998, denunciando-a como diversionismo petista. O governador de Minas, Aécio Neves, também repudiava o que chama de tática de espalhar fumaça para turvar os olhos e confundir a opinião pública.

Tropeços

A tentativa de acordo entre PP, PL e Severino Cavalcanti para sustar o espetáculo inútil do Conselho de Ética testou a hipótese da pizza. Foi refugada, ainda que pudesse adiar mas não evitar a onda de cassações anunciadas.

A CPI dos Correios não parece mesmo estar preparando pizza, como garante o relator Serraglio. Acumulou uma montanha de documentos mas gastou tempo e energia demais com o espetáculo dos depoimentos. Corre agora para produzir provas. Começa a perder terreno para a Polícia Federal, com a qual, inicialmente, não procurou qualquer colaboração. E só agora pediu socorro ao TCU, e até ao próprio Banco Rural, para destrinchar a papelada.

Entende-se: ali há interrogadores(as) de boa figura e atores bem talhados para o papel de xerifes truculentos mas poucos têm experiência em CPIs. Os veteranos no assunto ¿ Miro Teixeira, Mercadante, Sigmaringa, Sergio Miranda e outros ¿ ficaram fora.

DA COLEÇÃO de piadas anônimas sobre o desastre petista: prova maior da falta de inventividade petista não é ter mantido a política econômica dos tucanos. É ter herdado e aperfeiçoado o esquema por eles testado em Minas com Marcos Valério.