Título: Escândalo já envolve 19 crimes
Autor: Bernardo de la Peña/Gerson Camarotti/Alan Gripp
Fonte: O Globo, 31/07/2005, O País, p. 3

Mais de 230 pessoas, entre parlamentares, dirigentes partidários e empresários, devem responder

Quando o país assistiu às imagens do então diretor dos Correios Maurício Marinho recebendo um maço de notas de arapongas que se passavam por empresários, há exatos 79 dias, nem o mais pessimista dos brasileiros poderia prever que aquele episódio desencadearia a maior seqüência de denúncias de corrupção já testemunhada no Brasil. De lá para cá, as instituições envolvidas nas investigações das irregularidades e, principalmente, do esquema do pagamento de mensalão a deputados da base aliada do governo já colheram indícios da prática de nada menos do que 19 crimes ou irregularidades administrativas, sem contar crimes eleitorais e infrações administrativas.

A extensa lista de crimes faz parte de um levantamento feito com base em informações de advogados, policiais, promotores e procuradores da República que se debruçaram sobre os detalhes do caso a pedido do GLOBO. Da gestão temerária do dinheiro público à corrupção ativa, as irregularidades estão relacionadas a denúncias que envolvem direta ou indiretamente mais de 230 pessoas, entre parlamentares, dirigentes partidários, empresários e funcionários públicos, além de assessores, secretárias e até contínuos.

Apesar de os holofotes estarem apontados para o Congresso Nacional, as suspeitas que crescem em progressão geométrica atingem governos estaduais, pelo menos 11 estatais, fundos de pensão, bancos públicos e privados e grandes empresas.

Delcídio: ¿Não há como escapar¿

Em 50 dias de trabalho, apenas os integrantes da CPI dos Correios identificaram pelo menos 12 tipos de crimes previstos no Código Penal. Com dezenas de caixas de documentos de quebra de sigilo em análise e 20 depoimentos depois de ter iniciado os seus trabalhos, 29 pessoas entre funcionários públicos, empresários, representantes dos bancos, dirigentes do PT e parlamentares estão sob investigação na comissão.

Levantamento feito com mais de um terço dos integrantes da CPI e advogados que acompanham os trabalhos mostra que estão sendo investigados os crimes de corrupção ativa e passiva, prevaricação, tráfico de influência, advocacia administrativa, crimes contra o sistema financeiro, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, gestão temerária, gestão fraudulenta, fraudes em licitação e formação de quadrilha.

Embora a tese de defesa apresentada pelo publicitário Marcos Valério, acusado de ser o operador do pagamento a deputados da base aliada, e pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares ¿ de que o partido buscou empréstimos para se financiar ¿ procure apenas o enquadramento das irregularidades como crimes eleitorais, os integrantes da CPI, da oposição e do próprio governo discordam.

¿ Está claro que existe muito mais do que crime eleitoral. Até porque crime eleitoral não condena ninguém, prescreve e fica tudo como está. Não tenho dúvida de que a CPI já encontrou indícios de uma infinidade de crimes como corrupção ativa e passiva, crime contra o sistema financeiro, crime fiscal, além de outros crimes que podem ser tipificados nos nossos códigos jurídicos. Não há como escapar ¿ afirma o presidente da comissão, senador Delcídio Amaral (PT-MS).

Fora da área criminal, os parlamentares lembram que há atos de improbidade administrativa que estão sendo investigados e, no caso dos parlamentares, a punição política ¿ por quebra de decoro parlamentar ¿ que pode atingir pelo menos 19 deputados que receberam direta ou indiretamente dinheiro das contas de Valério.

¿ Seguramente, quebrou o decoro quem recebeu dinheiro (de Valério). Mas tem ainda o problema da mentira e da contrapartida exigida em troca do dinheiro ¿ diz o sub-relator da CPI para a área financeira, Gustavo Fruet (PSDB-PR), que relatou o processo de cassação do ex-deputado André Luiz.

Além deles, o ex-ministro José Dirceu (PT-SP), acusado de ser o coordenador do esquema pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), e o próprio petebista estão com os mandatos ameaçados. Jefferson pode ser cassado por ter acusado sem ter provas ou por ter recebido dinheiro do esquema, já que admitiu ter recebido R$4 milhões de Valério. Dirceu, além de responder a Jefferson, terá de explicar as reuniões que teve como ministro da Casa Civil com os dirigentes dos bancos Rural e BMG, que emprestaram dinheiro ao PT.

Para o relator da CPI, Osmar Serraglio (PMDB-PR), além dos personagens já conhecidos, os dirigentes do Rural podem ter também de responder como co-autores da corrupção:

¿ Queremos saber se os bancos foram favorecidos pelo governo e através disso vinham liberando recursos para o Marcos Valério. Mas os dirigentes do Rural investigados podem responder como co-autores da corrupção. Se for comprovada a corrupção entre Valério e os parlamentares, o banco (ou seus dirigentes) entra como co-autor ¿ afirmou Serraglio.

¿A CPI tem que pegar os nossos¿

Para Fruet, todos os que receberam dinheiro irregularmente das contas de Valério poderão responder por sonegação fiscal:

¿ As pessoas que sacaram dinheiro, tipo a Simone Vasconcelos, vão ter de explicar por que tiraram esse dinheiro. Os saques podem ficar caracterizados como sonegação fiscal ¿ afirma Fruet.

A deputada Denise Frossard (PPS-RJ), ex-juíza, acha que a CPI já encontrou indícios suficientes de crimes para enviar ao Ministério Público.

¿ Além dos crimes contra a administração pública em geral, a CPI já encontrou práticas de lavagem de dinheiro e crime organizado. Já há indícios prontos. Até porque personagens como Valério, dona Renilda (de Souza, mulher de Valério) e Marinho (Marinho, ex-diretor dos Correios) são casos de polícia. Agora, a CPI tem que pegar os nossos, os parlamentares ¿ adverte Frossard.

Vice-presidente da CPI, o senador Maguito Vilela (PMDB-GO) concorda:

¿ A CPI já tem indícios concretos de crimes não só de Valério, mas também de funcionários públicos e das pessoas que sacavam dinheiro das agências do publicitário.

A senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) diz que a CPI encontrou um festival de crimes.

¿ Pelo que já vimos, essa quadrilha rasgou todas as leis: o código eleitoral, o código penal e até a Constituição do país. Além do crime eleitoral, que é a forma fraudulenta que o PT encontrou para tirar o foco do Planalto, já temos crimes contra a administração pública, tráfico de influência, intermediação de interesse privado, exploração de prestígio e corrupção passiva e ativa.

O senador Heráclito Fortes (PFL-PI) diz que Valério teve sucesso na gestão petista porque tinha o apoio da cúpula do governo:

¿ Já temos um oceano de indícios. O Valério era um agente. Mas a corrupção é do governo.