Título: O IMPONDERÁVEL
Autor: O País
Fonte: O Globo, 31/07/2005, O País, p. 4
Analisando a crise política atual, o cientista político Amaury de Souza acha que a situação do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, que vai depor na terça-feira no Conselho de Ética da Câmara, ¿é difícil¿, pelo precedente de seu ex-assessor Waldomiro Diniz, flagrado extorquindo um bicheiro, e de Marcelo Sereno, outro assessor, ligado a Delúbio Soares e Sílvio Pereira na direção do PT. ¿São dois auxiliares diretos de Dirceu envolvidos. E ele teve um papel determinante para a carreira meteórica de Delúbio e Silvinho no partido. Eram militantes de base que de repente foram alçados ao diretório nacional sem terem representatividade nenhuma¿, analisa Souza.
Se Dirceu confirmar na Comissão de Ética uma conversa que se atribui a ele, dizendo que tentou tirar Delúbio Soares da direção do PT e ¿não deixaram¿, atinge diretamente o presidente Lula, de quem Delúbio é considerado protegido. Na avaliação de Amaury de Souza, Dirceu já está indo para a Comissão de Ética com um problema sério, pois Renilda, a mulher de Marcos Valério, garantiu que ele teve a reunião com a diretoria do Banco Rural em Minas. Mas Souza acha que não vai acontecer com Lula o que aconteceu com Collor, cuja queda de popularidade ocorreu rapidamente durante 1991, com o fracasso do plano econômico e a conseqüente volta da inflação depois do seqüestro da poupança.
Analisando pesquisas de opinião da época, Amaury de Souza destaca que ¿da posse em 90 até o fim de 91, há uma queda constante de Collor, que se estabiliza no patamar de 10%, do qual nunca mais conseguiu sair¿. No caso de Lula, acredita Souza, ¿o processo de erosão da popularidade será através do que for sendo passado adiante em termos das descobertas da CPI¿.
Os dados de apoio a Lula já começam a mostrar a erosão da popularidade ¿por indicadores indiretos¿, comenta. Amaury de Souza lembra que o governo Lula está em um patamar de 40% de aprovação, enquanto o de Collor, na mesma época, estava em 10%. ¿A aprovação, tanto do governo quanto de Lula, tem pouca variação por indicadores como classe social, escolaridade. É mais baixa nas classes A e B, e mais alta nas classes C a E, mas uma diferença pequena estatisticamente. Mas em todos os cenários, ele já sumiu como opção de voto na classe A¿, destaca Souza.
Na intenção de votos no primeiro turno, os dados de janeiro deste ano mostram Lula oscilando entre 48% a 50%. Já caiu para a faixa de 35% a 40%. Toda crise envolvendo a corrupção no governo está sendo acompanhada mais de perto pelas classes A e B, e para baixo o processo de filtragem da informação é muito mais lento, comenta Amaury de Souza. ¿Há uma barreira simbólica fortíssima de identificação com Lula. O processo de perda de popularidade vai ser muito mais suave¿, diz ele.
O cientista político acha que o imprevisto, o imponderável, podem ser decisivos no desfecho do caso. No processo de Collor, não havia nada de inevitável para o impeachment, analisa Souza. Mesmo depois das denúncias de Pedro Collor, ele achava que ainda seria possível administrar a crise, que se tornou inadministrável por uma série de fatores: ¿Os operadores do Collor eram uns trapalhões, assim como são os de Lula. Deixaram rastro de todos os lados. Há uma riqueza de provas inacreditável¿.
Também o papel da imprensa foi fundamental, ¿fazendo seu primeiro grande aprendizado de liberdade de expressão depois da ditadura, e com isso a população se interessou muito pela CPI¿. Segundo Amaury de Souza, um estudo da cientista política Argelina Figueiredo mostra com muita clareza que CPIs contra o governo têm uma baixa probabilidade de sucesso. Apenas 54% terminam de alguma forma, e as mais exitosas são as que não vão contra o governo, tratam de temas como trabalho escravo, exploração infantil, meio ambiente.
Um dos fatores que Amaury de Souza destaca para esses desfechos é ¿o grau de atenção da opinião pública¿. Ele está convencido de que ¿se a opinião pública estivesse interessada no Banestado, a CPI não teria acabado em pizza¿. Ele realça que a crise do Collor começou a entrar em sua fase aguda por volta de fevereiro/março de 92, e entre abril e o final de agosto a opinião pública tomou conhecimento do que estava ocorrendo com o governo, e formou uma opinião fortemente negativa.
Para ele, a melhor pergunta das pesquisas de opinião começou a ser feita naquela ocasião: Você acredita que o presidente esteja diretamente envolvido no esquema de corrupção? Até abril, o patamar de Collor estava em 31%. Depois da entrevista de seu irmão Pedro, em junho a proporção já estava em 65%, em agosto já estava por volta de 75% e, às vésperas do julgamento, o índice foi para em torno de 85%. ¿Agora, no caso de Lula, em julho 39% disseram que ele estava envolvido, e desses só 14% disseram que está totalmente envolvido¿.
Mas Amaury de Souza chama a atenção para uma circunstância característica da nossa sociedade atual: a velocidade com que a notícia se propagou na população é maior do que na época de Collor, especialmente devido às transmissões pela televisão das sessões das CPIs e à internet.
Em maio, 51% acompanhavam a CPI dos Correios, e desses 16% estavam realmente atentos. Em junho, já eram 84% (e 36% realmente atentos). A mesma percepção aparece quando se pergunta se o entrevistado acredita em corrupção no governo Lula. Em março, 32% diziam que sim; em maio, 65%; em junho, 70%; e em julho, 78%. Na pesquisa da revista ¿Época¿ desta semana, o governo Lula aprece apenas atrás do de Collor no ranking dos mais corruptos.