Título: Indícios apontam para a existência de pelo menos quatro esquemas paralelos
Autor: Alan Gripp/Bernardo de la Peña/Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 31/07/2005, O País, p. 4

Especialistas suspeitam de mensalão, caixa 2, lavagem e desvio de dinheiro

RIO e BRASÍLIA. Os indícios colhidos em menos de 80 dias de investigações já deram a criminalistas experientes pistas da existência de pelo menos quatro esquemas sólidos de corrupção montados nas ramificações da máquina pública espalhadas pelo país. Além do mensalão denunciado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), as investigações em curso já revelaram a existência de caixa dois para abastecer campanhas eleitorais Brasil afora e levantaram suspeitas do desvio de recursos em empresas estatais e de lavagem do dinheiro arrecadado através das agências do empresário Marcos Valério.

Nas empresas do principal personagem da crise política até aqui, está a chave para mapear os esquemas de corrupção, diz o criminalista Ary Bergher.

¿ A lavagem de dinheiro está claramente demonstrada no chamado valerioduto, pois buscava dar origem lícita a valores oriundos de práticas criminosas, com crimes contra a administração pública. O dinheiro desviado e que iria para pagamentos ilícitos passava pelas empresas dele como se fosse de origem lícita ¿ afirma Bergher, que analisou passo a passo das investigações a pedido do GLOBO. ¿ Esta etapa já foi comprovada pelas investigações, cabendo apurar quem abastecia esta conta e quem exatamente se beneficiou dela.

Especialista diz que perícia contábil trará as provas

O também criminalista Raphael Mattos diz que a prova dos nove será obtida por de uma perícia contábil nas empresas de Valério:

¿ É preciso confrontar a entrada dos recursos ditos publicitários e sua saída lícita, para prestadores de serviços, comissões, dentre outros. Caso haja o desvio, haverá uma diferença entre os recursos destinados a pagamentos (entrada) e os efetivamente utilizados nos repasses feitos pelas agências de Valério.

Além dos crimes que estão sendo investigados pela CPI dos Correios, os integrantes da comissão acreditam que os acusados podem ser enquadradas no crime de formação de quadrilha. Para o deputado Eduardo Paes (RJ), vice-líder do PSDB na Câmara e integrantes da CPI, isso está claro:

¿ Há uma complexidade de condutas criminosas cometidas de forma organizada para um grupo grande de pessoas que agiram em conluio com o mesmo objetivo: retirar recursos do erário e se beneficiar disso. Os crimes cometidos caracterizam a formação de quadrilha ¿ afirma Paes. ¿ Essa gente agiu como bactérias anaeróbicas usadas para tratar o esgoto. Elas se alimentam do esgoto e se multiplicam.

Advogado, o deputado acrescenta que a legislação sobre crimes contra a ordem tributária prevê que, nos casos de multa, quando o juiz considera que o valor previsto é insuficiente para punir o réu, ele pode elevar a multa em até dez vezes, chegando a R$5,4 milhões.

Segundo advogados, a comprovação do pagamento de mensalão vai dar elementos suficientes para condenações em série. Não só para operadores e beneficiados pelo esquema, mas também para os funcionários públicos que souberam do esquema e não o denunciaram. Neste caso, eles teriam cometido o crime de prevaricação, que prevê pena de detenção de três meses a um ano de reclusão.

O criminalista Wanderley Rebello Filho diz que os envolvidos no mensalão podem ter penas variadas. Os possíveis operadores do esquema e distribuidores das mesadas entre os deputados, segundo ele, podem ser processados por corrupção qualificada, recebendo penas superiores. Jefferson apontou como líderes do esquema seis deputados do PP e do PL, entre eles José Janene (PP-PR) e Bispo Rodrigues (PL-RJ), que aparecem na lista de beneficiados dos saques nas contas de Valério.

As pessoas que sacaram a mando de outras não estão livres de serem processadas por corrupção passiva (pena de dois a oito anos de prisão) . Nesse caso, de acordo com os especialistas, a condenação vai depender do grau de conhecimento que eles tinham da origem e do destino do dinheiro.

A mesma regra vale para a mulher de Valério, Renilda de Souza, que pode ser processada pelos mesmos crimes que o marido. Isso porque, no papel, ela é sócia das empresas investigadas.

No Rio, a Procuradoria da República concentra as investigações sobre irregularidades no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), em Furnas, na Eletronuclear e na Infraero. Diretores dessas estatais e políticos ligados a elas, como Roberto Jefferson e Janene, são suspeitos de montarem um esquema para beneficiar empresas.

A suspeita é de que eles tenham cometido pelo menos seis crimes, mas o procurador responsável pelo caso, Edson Abdon, concentra as investigações em um crime, que pode levar à confirmação dos outros: o enriquecimento ilícito.