Título: EXEMPLO DO IRA
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Fonte: O Globo, 31/07/2005, Opinião, p. 6

OIRA depôs as armas, mas não se dissolveu nem abandonou a luta pela unificação da Irlanda. A destruição dos seus arsenais, motivo de perene disputa na Irlanda do Norte, fica para depois. Já é um passo histórico, pois uma das facções guerrilheiras mais violentas e desalmadas da Europa reconhece que o terror deslegitima e destrói as causas mais defensáveis.

O primeiro-ministro Tony Blair, acossado por outros problemas de suma gravidade, ganha espaço para respirar. A desmilitarização da Irlanda do Norte é o começo do fim de séculos de conflitos sangrentos e de quase quatro décadas de ações terroristas ¿ The Troubles, no jargão político do Reino Unido. A paz nessa província entra na coluna dos êxitos do governo Blair. Além disso, ele precisa mobilizar os recursos de que dispõe para enfrentar o terrorismo internacional, que desembarcou em solo inglês no dia 7, com os atentados em Londres. E, o mais importante: abre-se finalmente uma perspectiva real de convivência civilizada, desconhecida de gerações de católicos e protestantes norte-irlandeses.

A opção do IRA pela via política é um imperativo de sobrevivência. O grupo vinha perdendo apoio político e financeiro, sobretudo nos EUA ¿ incluindo o de um firme defensor do nacionalismo irlandês, o senador Edward Kennedy ¿ por seu envolvimento em tráfico de drogas, assalto a bancos, e todo um catálogo de atividades criminosas. Arriscava-se a cair na sarjeta da História como um mero bando de fora-da-lei, e de misturar a bandeira da unificação à selvageria dos novos apóstolos do aniquilamento, que praticam a mais desesperada forma de descrença, o terror pelo terror, como a al-Qaeda.

Os partidos protestantes, por justificado que seja o seu ceticismo ¿ não é de hoje que o IRA quebra promessas e desonra compromissos ¿ ficam devendo um gesto à altura, que ajude a trazer o IRA das sombras para a claridade da vida democrática. A dura experiência dos guerrilheiros católicos deveria servir de lição a todos os bandos que praticam a violência com pretextos políticos, como o ETA na Espanha e similares latino-americanos: politicamente, o terror é uma armadilha mortal também para os que o praticam.