Título: DA CPI DO FUTEBOL À CPI DO MENSALÃO
Autor: WALTER DE MATTOS JR
Fonte: O Globo, 31/07/2005, Opinião, p. 7

Era uma vez um país, o do futebol, que, no ano de 2000, indignado com tantas suspeitas, decide criar duas CPIs, uma no Senado, chamada de CPI do Futebol, e outra na Câmara, de CBF/ Nike. Essas ocuparam o espaço de toda a mídia (geraram uma edição do ¿Globo Repórter¿ e uma capa da revista ¿Veja¿) durante 13 meses de intenso escrutínio público, em dezenas de audiências que capturaram a atenção nacional.

Revivemos esta situação após a abertura das três novas CPIs (Correios, Mensalão e Bingos), desta vez com muito mais holofotes do que aquelas do nosso fulgurante, ainda que pobre, futebol. E agora? Que país sairá no fim deste escuro túnel? Melhor? Pior? O governo Lula chega ao fim? É a nossa angústia cotidiana que não cessa de indagar.

Já sabíamos que a corrupção freqüentava os mais diversos ambientes, mas a extensão e a audácia com que foi praticada nos casos já divulgados são prova de que este tumor segue avançando em vez de ser extirpado ou ao menos controlado. Nem o mais cínico dos brasileiros deixa de se surpreender. E lembro que já passamos pelos traumas do Collor e dos Anões cassados, entre outros eventos que deveriam gerar temor pelo menos nos delinqüentes de Brasília.

Podemos sair no outro lado da crise com muitos avanços institucionais. Reforma política, punições, menos cargos partidários e mais técnicos de carreira, uma burocracia mais eficaz são alguns desejos viáveis. Será que chegaríamos a algo como uma Operação Mãos Limpas do Cone Sul? Seria sonhar demais?

Mas há o grave risco de emergir deste mar de denúncias um país muito pior. Como? Pela instabilidade nos mercados? Por um eventual novo impeachment? Não é isto o que devemos temer. Sinto o Brasil habilitado para passar por esses incidentes tal e qual nossos atacantes da seleção driblam as defesas mais fechadas mundo afora.

O que me mete medo é a impunidade. Tal e qual como nos casos do futebol, esta chaga pode jogar mais uma de suas cartadas sinistras: punir o mínimo necessário ou não punir e assim deixar de produzir a ação exemplar para a nação.

Depois de tomarmos consciência do intolerável, o que não pode acontecer é nada ser feito. Aí, o efeito mais nefasto será aumentar, em vez de reduzir, a tolerância da sociedade para com a corrupção. Como aconteceu no futebol.

Recordo com profunda tristeza que as CPIs do futebol produziram 17 pedidos de indiciamento dos Teixeiras, Edmundos e Euricos. Que punição tivemos, já passados 4 anos? O que sucedeu, depois de escancarados os crimes não punidos, foi mais tolerância.

E prova inequívoca é a forma como Ricardo Teixeira segue dirigindo a CBF (como se a instituição a ele pertencesse) e como passou a ser tolerado nas mais altas instâncias do poder (com Lula em viagens ao Haiti, em reuniões palacianas sorridentes e sabe-se mais onde) num toma-lá-dá-cá perverso para a cena nacional. E, se a Copa de 2014 for no Brasil, ele ainda quer ¿comandar¿ os investimentos de bilhões.

O futebol tem um papel único na sociedade brasileira e ofereceu-nos uma oportunidade extraordinária de, punindo os culpados, contribuir como nunca para a redução da sensação de impunidade. É certo que estes sinais seriam compreendidos por todos os brasileiros e brasileiras.

Podemos evitar um triste destino para as CPIs atuais. E quem sabe, se dessa vez se fizer justiça, não seja até possível aproveitar a onda para, enfim, tratar de dar conseqüência às do futebol e mostrar de verdade que o país não tolera mais a corrupção.

WALTER DE MATTOS JR. é editor e presidente dos veículos ¿Lance!¿