Título: Briga empresarial ajudou a pôr Dirceu e Gushiken em campos opostos
Autor: Helena Chagas/Gerson Camarotti/Bernardo de la Peñ
Fonte: O Globo, 31/07/2005, O País, p. 12

Opportunity buscou aproximação com Delúbio e o então ministro da Casa Civil por meio de Marcos Valério

BRASÍLIA. Em agosto do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva proibiu seu filho Fábio Luiz Lula da Silva, um dos donos da Gamecorp, empresa que depois virou sócia da Telemar, de fazer o mesmo negócio com a Brasil Telecom. O motivo: Lula não queria seu filho envolvido com o banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, que tem o controle da Brasil Telecom. O veto foi provocado pela disputa entre Dantas e a Telecom Itália pelo controle da empresa, uma das maiores brigas empresariais já vistas na história recente, que dividiu dois dos principais ministros palacianos.

Lula, segundo amigos do presidente, demonstrou para o filho grande irritação quando soube que o banqueiro tentava comprar parte das ações da Gamecorp, na qual Fábio é sócio dos irmãos Bittar, filhos de seu antigo companheiro Jacó Bittar. Ele não queria Fábio Luiz como sócio de um dos envolvidos na disputa que pôs em lados opostos os então ministros José Dirceu (Casa Civil) e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo).

¿ Com Daniel Dantas não tem negócio ¿ sentenciou o presidente numa conversa com Fábio, seu filho mais velho, que foi consultá-lo sobre o assunto.

Previ teve apoio de Gushiken

Gushiken defendeu dentro do governo a posição do presidente da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), Sérgio Rosa, contrária a que os dez fundos de pensão ligados a empresas estatais, liderados pela Previ, apoiassem o Opportunity na operação de descruzamento de ações entre os controladores da Brasil Telecom e da Telemar. Já Dirceu chegou a defender nos bastidores do governo a posição de Daniel Dantas.

No auge dessa guerra empresarial, a Brasil Telecom ofereceu proposta para comprar ações da Gamecorp em 18 de agosto de 2004. Segundo um dos participantes da negociação, a Brasil Telecom sabia da participação de Fábio na empresa porque já patrocinava um programa na TV Bandeirantes produzido pela G-4, a mesma empresa que viraria a Gamecorp.

A operação acabou sendo fechada com a Telemar, que comprou 35% das ações e fez um aporte total de R$5 milhões na Gamecorp, em janeiro último. Lula pediu pareceres sobre o negócio a duas consultorias, que não encontraram irregularidades.

¿ Se houver vírgula que seja fora do lugar, eu puxo meu filho pela orelha e mando sair da sociedade na mesma hora. Mas, se não houver, não posso impedi-lo de trabalhar em sua empresa ¿ disse Lula a um auxiliar próximo.

Desde o começo da disputa, o presidente foi influenciado pela posição de Gushiken, que prevaleceu, porque Rosa e a Previ fizeram um acordo com o Citigroup. Pelo acerto, o Opportunity foi destituído do comando da Brasil Telecom. Daniel Dantas, entretanto, por intermédio do seu sócio Carlos Rotenburg, se aproximou do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, homem de confiança de José Dirceu.

A aproximação foi feita por intermédio de quem? O empresário mineiro Marcos Valério, acusado de ser o operador do esquema de pagamento de mesada a deputados da base aliada. Em depoimento à Polícia Federal de São Paulo, Delúbio admitiu que Valério promoveu encontros entre ele e Rotenburg. Segundo Delúbio disse ao delegado federal Luiz Flávio Zampronha, Rotenburg estaria interessado em se aproximar do PT e do governo.

O que Delúbio contou é verdade: na primeira semana do governo Lula, Rotenburg, numa conversa com o publicitário Cristiano Paz, sócio de Valério, disse que enfrentava dificuldades com os fundos de pensão controlados pelo governo. Foi quando Cristiano intermediou um encontro entre o empresário e Valério.

Numa das primeiras conversas com executivos do Opportunity, em Belo Horizonte, o empresário mineiro chegou a mostrar o seu cartão de visitas como representante dos petistas: uma cópia do contrato do empréstimo feito pelo PT no BMG, de R$2,4 milhões, para o qual serviu de avalista.

A relação entre o Opportunity e as agências de Valério, de onde saíram milhões de reais usados para fazer pagamentos a políticos aliados e da oposição, não é apenas de amizade. A CPI dos Correios investiga contratos entre a DNA Propaganda e a SMP&B, agências de Valério, e a Telemig Celular e Amazônia Celular, controladas pelo Opportunity.

Integrantes da comissão pretendem pedir ao Tribunal de Contas da União (TCU) que apurem se os serviços descritos nos contratos foram de fato prestados. Eles também ouviram sexta-feira na Receita Federal que o valor depositado pelas empresas ligadas ao Opportunity é maior do que o valor declarado pela SMP&B e pela DNA ao Fisco.

Entre 2000 e o primeiro trimestre de 2005, a título de prestação de serviços de publicidade e marketing, pelas contas das duas agências ¿ as mesmas de onde saiu o dinheiro para os políticos ¿ passaram R$144 milhões das duas companhias do Opportunity. Foram R$112 milhões da Telemig à DNA e R$32 milhões da Amazônia Celular à SMP&B. As empresas argumentam, porém, que deste total apenas R$14,9 milhões ¿ 10,27% ¿ foram pagos como comissão às agências.

Sem conseguir o apoio do governo para os seus interesses, as relações entre os executivos do Opportunity e Marcos Valério se deterioraram. A Polícia Federal chegou a suspeitar que Fernanda Karina Somaggio, a ex-secretária de Valério que denunciou o esquema de pagamentos a deputados à revista ¿IstoÉ Dinheiro¿ em setembro de 2004, tivesse sido motivada por representantes do Opportunity. Tanto que, no primeiro depoimento prestado por Karina na Polícia Federal em Minas Gerais, ela teve de se explicar sobre isso. Karina negou ter denunciado o esquema por influência de Dantas ou alguém ligado ao banco.

Secretária negou contato com Kroll

A depoente teve de negar ainda ter tido contato com a Kroll, empresa de investigação que protagonizou um escândalo no ano passado por ter investigado Gushiken, seu adversário dentro do governo, e o então presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb. Karina admitiu, entretanto, ter recebido um e-mail em junho do ano passado lhe oferecendo dinheiro em troca de informações sobre Valério. Depois de ter sido vetado por Lula, o negócio entre a empresa de seu filho e a Brasil Telecom foi sepultado.

A operação do filho de Lula com a Telemar passou ainda pelo crivo do então vice-presidente de Finanças, Mercado de Capitais e Relações com Investidores do Banco do Brasil, Luiz Eduardo Franco de Abreu. Conselheiro da Tele Norte Leste, controladora da Telemar, ele participou no dia 26 de janeiro da reunião do Conselho de Administração que aprovou a compra das ações da Gamecorp.

A Telemar informou que Abreu foi indicado para participar do conselho da sua controladora pela Brasilcap e pela Brasil Veículos, empresas de economia mista, subsidiárias do Banco do Brasil. Da reunião em que a compra da participação na Gamecorp foi aprovada, participaram além de Abreu outros seis conselheiros.

O executivo deixou a vice-presidência do BB depois do episódio do leasing dado pelo banco para que o PT fizesse uma compra de computadores no valor de R$20 milhões. Por intermédio de sua assessoria, a direção da Telemar informou que a decisão de participar da Gamecorp foi da diretoria da companhia e apenas ratificada pelo conselho.