Título: TORRE CRAVADA NO CENTRO DA POLÊMICA
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 31/07/2005, O Mundo, p. 42

Medo de atentados pode fazer prédio sucessor do WTC nem sair do papel

NOVA YORK. Você alugaria um escritório na Freedom Tower? Se não está ligando o nome ao desenho, trata-se daquele projeto de erguer uma enorme torre no lugar do antigo World Trade Center para simbolizar a vitória da liberdade sobre o terrorismo obscurantista. A pergunta anda atormentando políticos, construtores, arquitetos e especialistas em segurança envolvidos no monumental projeto de reconstrução do Baixo Manhattan.

Pesquisa: 62% evitariam trabalhar nos últimos andares

A cada novo atentado no mundo, mais pessoas acham que a torre corre o risco de não sair do papel ou ser reduzida a uma torrezinha, sem maior expressão. Até agora, nenhuma empresa anunciou a intenção de instalar escritórios lá e, na última contagem, 62% dos nova-iorquinos disseram que evitariam trabalhar nos últimos andares do edifício por causa da memória ainda viva das pessoas se jogando do alto do World Trade Center.

Simbólica demais, a Torre da Liberdade vem sendo minada pelo medo de que o prédio seja um alvo permanentemente visado por terroristas, por suspeitas de inviabilidade econômica, por brigas políticas e conflitos entre as famílias dos mortos. Essa torrente de emoções e interesses contraditórios já provocou adiamentos sucessivos e dois redesenhos do prédio. Quando a idéia da torre foi lançada, a previsão era de que estivesse pronta até 2008, mas os mais otimistas agora dão prazo até 2011 para o edifício ser construído.

A torre já perdeu sua antena espiralada que lembraria os altos ideais americanos e ganhou uma base fortificada, sem janelas e longe da rua, para resistir a eventuais carros-bomba, transformando-se numa espécie de monstrengo pesado. ¿Ficou sombria e opressiva. Este projeto sugere um monumento para uma sociedade que voltou as costas para qualquer abertura cultural¿, bateu pesado o ¿New York Times¿ no novo desenho feito às pressas pelo arquiteto David Childs, depois que a polícia considerou sem condições de segurança o projeto de Daniel Liebskind, vitorioso numa seleção internacional.

Na área devastada pela al- Qaeda, quatro anos depois do ataque, um único edifício foi construído, exatamente o último a cair no 11 de Setembro. Foi batizado de World Trade Center 7, tem 52 andares, fica pronto em março do ano que vem, mas só semana passada um primeiro inquilino se candidatou a ocupar uma parte ínfima dos 12 mil metros quadrados do prédio. O dono do empreendimento, Larry Silverstein, explica com detalhes que as preocupações extras com segurança fizeram o prédio ter colunas com o dobro da quantidade de cimento usual e reduziram em até 15% o espaço comercial. Mas o mercado acha difícil a ocupação de um prédio ao lado do canteiro de obras do Ground Zero.

Área perdeu cem mil empregos desde 2001

Depois da queda das torres, o Baixo Manhattan perdeu cem mil empregos, muitas empresas faliram, outras se mudaram para Nova Jersey ou Midtown e todas as sobreviventes tiveram de se reconstruir para continuar funcionando. Até agora não manifestaram intenção de voltar para a área do Ground Zero, confirmando a velha máxima de que, no capitalismo, o sentimentalismo acaba na hora que os negócios começam.

¿ Como meu pai dizia, edifício bonito é edifício todo ocupado ¿ afirma com brutal franqueza Silverstein.

Baixinho, terno jaquetão, cabelo pintado e topete, ele tem o jeito de um daqueles pioneiros do capitalismo americano que o cinema adora retratar. Silverstein, 77 anos, é o azarado que tinha alugado as torres gêmeas por um prazo de cem anos, exatamente seis semanas antes do ataque. Recebeu US$3,5 bilhões de indenização, mas planeja gastar US$8 bilhões para botar em pé a Torre da Liberdade e os prédios adjacentes. Usa o patriotismo para explicar a enorme encrenca em que se meteu.

¿ Claro que a Torre da Liberdade não é uma provocação, é uma reafirmação dos ideais americanos. Este edifício vai ser tão forte e seguro que os terroristas não vão querer atacá-lo, vão escolher outro lugar no mundo ¿ acredita Silverstein.

Mas antes mesmo de a primeira pedra ser colocada no memorial, os 14 grupos de famílias das vítimas do 11 de Setembro, que vão da extrema-direita à esquerda radical, estão brigando e já criaram polêmica nacional. Uma das facções publicou carta aberta ao povo americano defendendo o boicote às campanhas para arrecadar donativos até que Centro de Desenho e o Centro da Liberdade Internacional sejam expulsos do memorial, acusando-os de antiamericanismo. As ONGs reagiram em defesa da liberdade de expressão e até o ¿New York Times¿ publicou editorial chamando de censura a intenção de algumas famílias das vítimas de não permitir manifestações artísticas críticas à política americana no Ground Zero. Ninguém duvida que a nova batalha vai atrasar ainda mais os projetos.