Título: A OMISSÃO DOS BONS
Autor: D. Eugenio Sales
Fonte: O Globo, 30/07/2005, Opinião, p. 7

Vivemos um grave momento na vida nacional. Ele é decorrente de vários erros e desvios que vêm enfraquecendo os valores éticos sem os quais se abrem as portas para males que hoje afligem a população de modo mais agudo. A omissão dos bons é um estímulo aos que promovem uma ordem social adversa aos princípios cristãos.

A 24 de novembro de 2002, por ocasião da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, veio a lume o importante e oportuno documento assinado pelo Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, o então Cardeal Joseph Ratzinger, intitulado "Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e ao comportamento dos católicos na vida política". Três dias antes, o Santo Padre João Paulo II havia aprovado o texto e mandou que o mesmo fosse publicado.

O valor do Documento se deduz do título e por uma série de comentários, publicados, na ocasião, em "L'Osservatore Romano" e assinados por personalidades de relevo na vida católica.

A nota começa recordando o ensino perene da Igreja, desde os seus primórdios aos nossos dias. A participação dos cristãos na ação política, já existente nos primeiros séculos do cristianismo, é citada na Epístola a Diogneto: "Os cristãos cumprem todos os seus deveres de cidadãos (...). Tão nobre é o posto que lhes foi por Deus outorgado que não lhes é permitido desertar (5,5-10;6,10)." O Compêndio da Doutrina Social da Igreja assim se expressa ao tratar dos componentes morais da representação política: "Aqueles que têm responsabilidades políticas não devem esquecer ou subestimar a dimensão moral da representação, que consiste no empenho de compartilhar a sorte do povo e em buscar a solução dos problemas sociais" (nº 410, página 231).

O Papa João Paulo II, na Exortação Apostólica "Christifideles Laici", diz: "Os fiéis leigos não podem, de maneira alguma, abdicar de participar na 'política', ou seja, na multíplice e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover de forma orgânica e institucional o bem comum" (nº 42).

A causa profunda da decadência política está no relativismo cultural e ético. É totalmente falsa a "tese relativista, segundo a qual não existiria uma norma moral radicada na própria natureza do ser humano e a cujo ditame deve submeter-se toda a concepção do homem, do bem comum e do Estado" (Nota, nº 2).

A liberdade de escolha entre as opiniões políticas somente existe quando estas opções partidárias "forem compatíveis com a Fé e a Lei moral natural; escolhe-se então a que, segundo o próprio critério, melhor se coaduna com as exigências do bem comum. A liberdade política não é, nem pode ser, fundada sobre a idéia relativista, segundo a qual todas as concepções do bem do homem têm a mesma verdade e o mesmo valor (...) a pluralidade de orientações e de soluções (...) não deve ser moralmente aceitável" (Nota, nº 3).

O respeito à pessoa humana é o fundamento da estrutura democrática: "A consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a atuação de um programa político ou de uma só lei onde conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos (...) quando a ação política se confunde com princípios morais que não admitem abdicações, exceções ou compromissos de qualquer espécie, é então que o empenho dos católicos se torna mais evidente e cheio de responsabilidade. Perante essas exigências éticas fundamentais e irrenunciáveis, os crentes têm, efetivamente, de saber que está em jogo a essência da ordem moral, que diz respeito ao bem integral da pessoa" (Nota, nº 4). E especifica as leis civis em matéria do aborto, da eutanásia, da proteção ao embrião humano, da família fundada no matrimônio monogâmico e entre pessoas de sexo diferente, protegida em sua unidade e estabilidade perante as leis que permitem o divórcio. Contempla, ainda, a educação como direito dos pais, a tutela social dos menores, a libertação das modernas formas de escravidão (por exemplo, da droga e da prostituição), a liberdade religiosa, a economia a serviço da pessoa humana, do bem comum, da justiça social, a paz e a recusa radical e absoluta à violência e ao terrorismo.

O documento contém mais dois capítulos: "Princípios da Doutrina católica sobre laicidade e pluralismo" e "Considerações sobre aspectos particulares".

Todos nós sofremos, hoje, com a grave situação do Brasil. Somente com uma pronta correção dos males que nos afligem, através de atitudes honestas e verdadeiras, leis justas e adequadas e o fiel cumprimento das mesmas, poderemos esperar melhores dias, de paz e tranqüilidade. Em outras palavras, uma reforma das instituições do Estado brasileiro: o Executivo, Legislativo e Judiciário. O alicerce está na reforma política e inclusive, do sistema de partidos e do sistema eleitoral.

Por maiores que sejam os problemas que atingem a nação, com a graça de Deus venceremos

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

A causa profunda da decadência política está no relativismo cultural e ético