Título: Empresa sob suspeita enviou dinheiro para Cayman
Autor: Rodrigo Rangel
Fonte: O Globo, 30/07/2005, O País, p. 9

Operações foram realizadas depois de a Esfort Trading, do Uruguai, passar a controlar a empresa brasileira

BRASÍLIA. A Esfort Trading, offshore sediada no Uruguai que figura como proprietária da Guaranhuns Empreendimentos, enviou pelo menos US$1,2 milhão para as Ilhas Cayman, um dos paraísos fiscais prediletos de lavadores de dinheiro. As operações foram feitas em 2002 e 2003, com o auxílio de doleiros, e usaram os mesmos mecanismos do chamado escândalo Banestado: o dinheiro passava por Nova York e de lá seguia para o paraíso fiscal.

A Guaranhuns é a empresa que mais recebeu dinheiro das contas do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, segundo levantamento parcial da CPI dos Correios. De acordo com a comissão, ela foi destinatária de pelo menos R$7 milhões.

Após transitar pelos Estados Unidos, os dólares enviados ao paraíso fiscal eram depositados na conta 0222, aberta em nome da Esfort Trading, no Banrisul de Cayman. As bases de dados que contabilizam as movimentações financeiras, informadas à extinta CPI do Banestado, indicam duas operações que tiveram como destino a conta da Esfort.

Em 4 de junho de 2003, US$100 mil saíram da conta 0030173019, no Hudson Bank, em Nova York, e foram remetidos para a conta 0222 da Esfort Trading, no Banrisul de Cayman. Antes disso, a agência do Banrisul no paraíso fiscal servira de intermediária: o dinheiro tinha passado, também, por uma conta do Banrisul no Citibank de Nova York.

Dinheiro sai dos EUA e retorna

A outra operação, entretanto, é a que mais chama atenção. Em 25 de março de 2002, nada menos que US$1 milhão saíram de uma conta da Beacon Hill Service Corporation, escritório nova-iorquino especializado em lavagem de dinheiro, que foi fechado recentemente pelas autoridades americanas. O destino: igualmente a conta 0222, da Esfort Trading, no Banrisul de Cayman. A ordem para a transferência partiu da Chello S/A, empresa sediada em Montevidéu, capital do Uruguai. Também nesse caso, o dinheiro tinha transitado pela conta do Banrisul no Citibank de Nova York antes de seguir para o paraíso fiscal.

A operação com o valor de US$1 milhão não se limitou à transferência para Cayman. Pouco mais de sete meses após ser enviado para o paraíso fiscal, o dinheiro fez o caminho de volta rumo aos Estados Unidos. O retorno foi em 1º de janeiro de 2002. Da conta da Esfort em Cayman, os dólares voltaram curiosamente para a conta da Chello S/A.

Coincidência ou não, a operação milionária realizada em 2002 consumou-se poucos meses após a Esfort Trading adquirir a Guaranhus Empreendimentos, a obscura empresa paulista que foi destinatária de milhões de reais saídos das contas do empresário Marcos Valério, operador do suposto esquema do mensalão, que distribuía pagamentos a deputados da base aliada do governo federal.

CPI pedirá ajuda à Interpol

Aberta em 1999, a Guaranhuns mudou de donos em 30 de janeiro de 2002. Os novos proprietários da empresa, que nem sede tem, passaram a ser a uruguaia Esfort e o brasileiro José Carlos Batista, operador do mercado de câmbio desde 1975.

José Carlos Batista continua sumido. Como O GLOBO mostrou na quinta-feira, Batista é um homem que desde 1975 vem trabalhando em empresas de câmbio e corretoras de valores.

O nome de Batista aparece como destinatário de pagamentos feitos por empresas como a Metalúrgica Gerdau. Em nota distribuída à imprensa, o Grupo Gerdau informou que o operador é um pequeno acionista e que o dinheiro que recebeu - menos de R$10 mil - refere-se a pagamento de dividendos.

Os movimentos obscuros da Guaranhuns têm chamado a atenção dos integrantes da CPI dos Correios. A comissão pedirá ajuda à Interpol, a polícia internacional, para esquadrinhar as atividades da principal sócia da empresa, a igualmente obscura Esfort. A grande suspeita é de que todas essas empresas não passem de fachada internacional para milionárias operações financeiras ilegais.