Título: MILHARES SE UNEM EM ADEUS EMOCIONADO A JEAN CHARLES
Autor: Ana Cláudia Costa
Fonte: O Globo, 30/07/2005, O Mundo, p. 34 e 35

Toda a população da cidade de Gonzaga comparece ao velório e ao enterro do eletricista assassinado pela polícia londrina

GONZAGA (MG). Sob forte comoção, em meio a aplausos e a uma chuva de rosas, o eletricista mineiro Jean Charles de Menezes, assassinado em Londres há uma semana ao ser tomado por um terrorista, foi enterrado na tarde de ontem, no cemitério de Gonzaga, em Minas Gerais. Segundo a Polícia Militar, cerca de sete mil pessoas - a cidade tem seis mil habitantes - passaram ontem pela cerimônia de missa de corpo presente na Igreja da Matriz e pelo cemitério.

Na hora do enterro, emocionada e chorando muito, a mãe do rapaz, Maria Otoni de Souza, pediu para abrir o caixão e conversou com o filho morto, que foi transformado pela população local em herói.

- Meu filho, vai em paz, agora eu não posso fazer mais nada por você... - emocionou-se ela antes de receber da Polícia Militar as bandeiras de Minas Gerais e do Brasil, que cobriam o caixão.

O governo federal enviou ao enterro o ministro das Comunicações, Hélio Costa, representando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O secretário de Desenvolvimento Social e Esportes de Minas Gerais representou o governador Aécio Neves.

Bispo menciona os assassinados esquecidos

Uma revoada de balões verdes, amarelos e brancos, ao som da música "Canção da América" de Milton Nascimento, marcou o momento em que o caixão com o corpo do jovem deixou a igreja em cortejo rumo ao cemitério.

Ainda de acordo com a Polícia Militar, 12 mil pessoas passaram pela Igreja da Matriz desde o início da tarde de quinta-feira quando o corpo do eletricista chegou à cidade de Gonzaga. O velório, que começou na tarde de anteontem, varou a madrugada. A missa de corpo presente foi celebrada pelo bispo de Governador Valadares, dom Werner Sibenbrock. Durante a cerimônia, a igreja ficou lotada e um alto-falante transmitia, na praça decorada e também lotada de moradores, as palavras do religioso. Um palco foi montado em frente à igreja, mas não chegou a ser utilizado. Além de rezar por Jean Charles, o bispo lembrou as centenas de pessoas que morrem assassinadas diariamente no Brasil sem que sejam lembradas.

Namorada voltou porque não se adaptou a Londres

Um dos momentos mais emocionantes da missa foi a chegada da namorada de Jean, identificada apenas como Adriana. Muito abalada, chorando e sem dizer uma só palavra, ela ficou durante um longo período ao lado do caixão, alisando o vidro de onde se podia ver o rosto do rapaz. Segundo Patricia Armani, prima de Jean Charles, Adriana conheceu Jean em São Paulo e chegou a morar com ele um tempo em Londres, mas não se adaptou e voltou para São Paulo. Patricia contou que o casal estava brigado porque Adriana insistia para Jean Charles deixar a vida em Londres e voltar para o Brasil.

Parentes de Jean Charles evitaram ontem comentar o fato de que o jovem estava irregular há dois anos na Inglaterra. Segundo o irmão de Jean, Giovani de Menezes, o irmão dizia o tempo todo que tinha visto permanente e poderia entrar ou sair de Londres quando quisesse. Ele disse que não acredita que o irmão pudesse ter falsificado um carimbo, já que nunca fez com ele esse comentário. Para a prima Patricia, a ausência ou não do visto não explica a morte violenta.

- O que estamos discutindo agora não é a existência ou não do visto. Isso não justifica a maneira como ele foi assassinado.

Legenda da foto: A MÃE DE JEAN, Maria, e o irmão, Geovani (à direita), no cemitério