Título: DEPURAÇÃO
Autor: Adriano Londres
Fonte: O Globo, 01/08/2005, Opinião, p. 7

OConselho Regional de Medicina de São Paulo tomou uma medida profilática que merece ser seguida em nível nacional, dada a sua importância para a melhoria da qualidade do atendimento na área de saúde.

Tomando como exemplo o Exame de Ordem promovido pelas respectivas seções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em cada estado, cujo objetivo é selecionar os bacharéis de direito aptos a exercer a advocacia ¿ e portanto ostentar o título de advogado ¿ o Cremesp decidiu instituir um exame profissional, a fim de, conforme anunciou, atribuir um ¿selo de qualidade¿ aos médicos recém-formados.

Trata-se de uma medida dura, mas inevitável na busca de uma medicina de melhor qualidade. Assim como é dura ¿ mas igualmente inevitável ¿ a reprovação, no Exame de Ordem, de cerca de 90% dos bacharéis que se formam no estado de São Paulo.

Se não passam no exame, não podem advogar e, desta forma, não prejudicam seus possíveis clientes e nem o próprio andamento da Justiça ¿ que por si só já é bastante complicado.

A diferença, no caso, é que o Cremesp não tem competência legal para impedir que um reprovado em seu exame exerça a medicina ¿ nem muito menos para obrigar todos os recém-formados a se submeterem à prova.

Mas o simples fato de criar um parâmetro de seleção para os bons profissionais, indicando aqueles que aceitaram se submeter ao teste (e foram aprovados), já é uma iniciativa salutar.

Certamente, as instituições de saúde que contratam esses profissionais bem como os próprios pacientes, passarão a balizar suas escolhas pelo exame do Cremesp. Afinal, nenhum hospital vai querer ter em seus quadros um médico desqualificado, tampouco um paciente aceitará se submeter a um profissional sem o ¿selo de qualidade¿ conferido pelo Conselho, o que provocará uma seleção natural benéfica.

O mais importante é que, com o tempo, será possível fazer uma melhor distinção daquelas escolas de medicina que formam os bons médicos daquelas que ¿formam¿ profissionais desqualificados. Aliás, foi a constatação de que o ensino da medicina decaiu que levou o Cremesp a instituir o exame. Essa decadência se traduz, evidentemente, no aumento dos erros médicos.

De acordo com estatísticas recentemente divulgadas, em 1993 houve 1.200 denúncias contra erros médicos no país, contra 3.388 no ano passado. Mesmo admitindo-se que, hoje, a população está mais consciente de seus direitos e por isso demanda mais ao Judiciário, inclusive contra médicos, o significativo aumento é um inequívoco indício de que algo de muito errado está acontecendo na formação dos profissionais de medicina no país.

Neste sentido, o Ministério da Educação já tomou a elogiável decisão de não permitir a abertura de novos cursos de medicina. Contudo, o ideal mesmo seria fechar boa parte deles, pelo baixo nível de formação que oferecem aos seus alunos ¿ que, no fundo, acabam sendo vítimas da farsa do mau ensino, pelo qual muitas vezes ainda são obrigados a pagar.

Fechar faculdades que são academicamente ruins é um ato de coragem que deve contar com o apoio da sociedade. E há bons precedentes no mundo. Na década de 1930, os Estados Unidos e o Canadá, preocupados com o mau ensino oferecido aos seus acadêmicos, fecharam 80 escolas de medicina. Só ficaram as realmente boas. Hoje, no Brasil, existem 144 escolas de medicina. Mais do que nos Estados Unidos.

Quem sabe o exemplo do Cremesp não se dissemine e, dentro em breve, seja adotado por um grande número de Conselhos Regionais, criando, assim, um parâmetro de julgamento para que o Ministério da Educação possa ter mais esse subsídio para avaliar as boas e as más faculdades ¿ fechando essas últimas.

O Conselho Federal de Medicina já adiantou que vê com bons olhos a iniciativa e pretende acompanhar o primeiro exame em São Paulo, cujas inscrições começam este mês. O consumidor/paciente paulista também deve fazer a sua parte, cobrando dos hospitais e planos de saúde que seus médicos contratados e credenciados tenham o ¿selo de qualidade¿, ou seja, tenham aceitado se submeter ao exame e foram aprovados.

ADRIANO LONDRES é presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Rio de Janeiro.