Título: `O país precisa reduzir o número de partidos¿
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 01/08/2005, O País, p. 8

Presidente do TRE do Rio diz que só uma reforma que elimine as legendas de aluguel pode evitar novos escândalos

Reduzir o número de partidos para sufocar as legendas de aluguel. Implantar um sistema eleitoral semelhante ao dos EUA, com voto distrital, e que invariavelmente dê ao presidente eleito maioria no Congresso. Para o desembargador Marlan de Moraes Marinho, que assumiu em maio a presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, somente uma reforma política com esse formato pode impedir que política e corrupção continuem caminhando de mãos dadas. Em entrevista ao GLOBO, ele reconhece a dificuldade em fiscalizar o caixa dois de campanha e diz que as prestações conta são hoje peças de ficção.

Por que o sistema político atingiu o nível de corrupção revelado pelo escândalo do mensalão?

MARLAN DE MORAES MARINHO: O Brasil, mesmo tendo passado por muitas dificuldades, por regimes militares, e apesar de ter ganho uma nova Constituição recentemente, ainda tem um regime político idêntico ao da proclamação da República. Não evoluímos. Hoje, o país permite que os presidentes da República sejam eleitos sem maioria. Ele sempre precisa negociar para governar e isso abre as portas para a corrupção. Esse sistema permite que se mude de partido com a mesma facilidade de quem troca de camisa.

E quais seriam as saídas?

MARLAN: Precisamos com urgência fazer a reforma política. Com o atual sistema, o Brasil vai repetir esses escândalos constantemente. E o ideal é que ela estabeleça uma eleição por distritos que siga o sistema americano. Assim, o presidente se elege porque vence na maioria dos distritos e chega ao poder com essa maioria. Não acho má a lista fechada, porque ela dará mais força aos partidos. E a fidelidade partidária tem que ser rigorosa. Hoje, você vota em um candidato, um mês depois ele muda de partido para ganhar um cargo no governo e daqui a pouco vira até ministro.

O senhor concorda com o formato da reforma política que tramita no Congresso?

MARLAN: A redução do percentual da cláusula de desempenho (de 5% para 2%, ainda não aprovada em plenário) foi um retrocesso e deve ser revista. O país precisa reduzir o número de partidos. A reforma desse jeito tem pouco efeito, não impede as legendas de aluguel. O que acontece hoje é que se um político não está bem em seu partido corre para um partido pequeno e concorre ao cargo que quiser, independentemente da ideologia. Isso é desastroso.

O senhor acha que o financiamento público de campanha poderia ajudar?

MARLAN: Na verdade, não sei se vai resolver. Se esse sistema pudesse evitar a corrupção política, eu concordaria, mesmo com o país sofrendo com a pobreza, a falta de escolas, hospitais, trabalho. Mas a questão é que acho que botar dinheiro público nas campanhas não vai acabar com o dinheiro que corre por fora. Isso é próprio do ser humano. Pelo poder ainda vale tudo, infelizmente.

Vê alguma alternativa de o país reduzir a circulação de dinheiro por caixa dois?

MARLAN: Volto a insistir que a saída está no sistema distrital de votação. Além de garantir a maioria, ele traz outra mudança: nem sempre vencerá a eleição quem tem mais dinheiro. Nos distritos, vai ganhar sempre o homem mais conhecido no local, mais respeitado. No atual sistema, o candidato chega da capital na cidade do interior, despeja todo o seu dinheiro, compra os votos à vontade e está eleito.

A Justiça tem hoje estrutura para fiscalizar com eficiência as contas de campanha?

MARLAN: Nossa estrutura é ótima, mas o problema é que só chegam lá as contas que o partido quer apresentar. Não temos como fiscalizar o caixa dois. A verdade é que as contas de campanha são hoje uma peça de ficção. Resumidamente, a lei determina que cada candidato abra uma conta para receber as doações, mas eles recebem o dinheiro fora dela. Uma campanha de deputado federal custa hoje entre R$1,5 milhão e R$2 milhões. E nenhuma (campanha) declara isso.

Que herança esse escândalo deixa ao país?

MARLAN: Momentos como esses são terríveis, pioram a qualidade do voto porque o eleitor passa a votar não por motivos políticos, mas em pessoas, porque o cara é boa praça ou porque bebe cachaça com ele no botequim. Ou então vota em troca de pequenas vantagens. Acredito que a maioria dos políticos é correta, tem amor à pátria, mas esse escândalo produz essa sensação de que a classe está contaminada. A minha esperança é que esses corruptos sejam punidos pelo voto, e não só pela CPI. Só isso não adianta.

O senhor concorda com o projeto que enquadra o caixa dois no crime de lavagem de dinheiro?

MARLAN: Sim, até porque hoje os esquemas de corrupção se aperfeiçoaram. O que assistimos hoje é o Estado financiando a política do partido do presidente. Imagina quanto um banco pode doar a uma campanha quando recebe R$1 bilhão de um fundo de pensão, por exemplo. Esse é o golpe que parece ter sido descoberto. A nossa esperança com essas leis é que haja uma separação mais clara entre o público e o privado.

CLÁUSULA DE BARREIRA: O acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito será garantido só aos partidos que tiverem no mínimo 5% dos votos do país, 5% dos votos para a Câmara em no mínimo nove estados, e que elegerem pelo menos um deputado em cinco estados.

VOTAÇÃO EM LISTA: Os eleitores votam numa lista de candidatos escolhidos pelos partidos, que decide a ordem deles. São eleitos, pela ordem, tantos candidatos quantas forem as vagas que o partido conquistar.

FEDERAÇÃO DE PARTIDOS: Permite que partidos se unam para disputar numa mesma sigla as eleições, com funcionamento parlamentar conjunto. As coligações só seriam permitidas nas eleições para o Executivo.

FIDELIDADE PARTIDÁRIA: São medidas para evitar o troca-troca e a indisciplina: aumento do prazo de filiação de um para dois anos do deputado que quer disputar as eleições seguintes; e votação em lista.

FINANCIAMENTO PÚBLICO: Destinação de verbas públicas para financiar gastos de campanha, de forma exclusiva. Quem recebesse verbas privadas ficaria sujeito a punições.