Título: BANDA PODRE: 3 PRISÕES POR DIA
Autor: Gustavo Goulart
Fonte: O Globo, 01/08/2005, Rio, p. 10

Navalha na Carne, ação criada para punir maus policiais, expulsou 103 em 6 meses

Expressão cada vez mais comum nos corredores do Congresso, em meio ao festival de malas e CPIs, cortar a própria carne também é atividade da polícia fluminense. Criada pelo secretário de Segurança Pública, Marcelo Itagiba, a Operação Navalha na Carne, nomenclatura inventada pelo próprio secretário para simbolizar a caça aos maus profissionais, já prendeu 551 policiais, uma média de três por dia, e expulsou 103 deles desde a sua implantação, em fevereiro passado.

Do ponto de vista da violência empregada e de suas conseqüências, o crime que pode ser considerado mais brando é o de extorsão, ainda que a sociedade e a Secretaria de Segurança o repugnem com veemência. Mas homicídios, venda de armas para traficantes e o envolvimento com a máfia dos caça-níqueis, por exemplo, têm balançado as estruturas do poder público pelo fato de que policiais civis e militares estão por trás deles.

De 1999 a 2004, 950 policiais expulsos

Para se ter uma idéia da dimensão de Navalha na Carne, entre 1999 e 2004, segundo dados obtidos pelo GLOBO, 950 policiais civis e militares foram expulsos por algum tipo de desvio de conduta, assim denominados internamente delitos cometidos por profissionais de segurança. Isso dá uma média de 158 expulsões por ano. Se de fevereiro até a semana passada 103 policiais haviam sido expulsos, a previsão mais otimista é de que a operação deva cortar ainda mais profundamente do que nos anos anteriores a carne das corporações até o fim de 2005.

¿ Todos os crimes praticados por policiais são revoltantes, mas os que considero mais graves são os associados ao tráfico de drogas, ao contrabando de armas e às estruturas criminosas organizadas, como a máfia dos caça-níqueis, por exemplo ¿ observou Marcelo Itagiba.

Quando fala da Operação Navalha na Carne, Itagiba estampa no rosto expressão de satisfação (pelo sucesso obtido até o momento) e de decepção, pela quantidade de descobertas e pelo tipo de crimes atribuídos a policiais. Com a iniciativa, ele tenta implementar na polícia uma nova ordem: o fim do corporativismo.

¿ O corporativismo é hoje um estado de sobrevivência da corporação. O bom profissional não deve mais fazer vista grossa às transgressões dos maus colegas. Estes não são colegas, são bandidos escondidos atrás de fardas ou de distintivos, que podem causar a morte dos bons profissionais. Tem que saber que ter ao lado dele uma maçã podre vai fazer o cesto todo perecer ¿ diagnosticou Itagiba, em entrevista na sexta-feira em seu gabinete.

São 551 prisões preventivas, temporárias ou administrativas. Uma delas foi a do cabo Ivonei de Souza, um dos suspeitos de participar da chacina da Baixada, em março, na qual 29 pessoas foram mortas. Segundo o boletim da PM de número 68, o cabo foi excluído a bem da disciplina, acusado de envolvimento num homicídio ocorrido em 2002. Ele chegou a ficar preso de março a junho do mesmo ano, mas foi solto por falta de provas. Agora, será julgado pelo Tribunal do Júri, como ex-PM, caso seja indiciado pelo crime.

Do total de prisões, 104 PMs e 21 civis estão presos à disposição da Justiça. Um total de 426 PMs está preso administrativamente e 222 respondem a processos administrativos disciplinares (PADs). Também respondem a PADs, 49 policiais civis. Do total de expulsões, 82 são de PMs e 21 de civis.

A Corregedoria Geral Unificada (CGU) das Polícias Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros, com a atribuição de avocar para si os crimes mais graves cometidos por policiais, aplicou oito punições até 14 de julho: quatro suspensões de policiais civis, três detenções de PMs e prisão de um PM. Dos 172 procedimentos instaurados pela CGU este ano, cinco foram arquivados; 143 estão em andamento e 24 foram enviados a outros órgãos, como as Corregedorias internas das polícias civis e militares.

A corregedoria interna da Polícia Civil, na Operação Navalha na Carne, demitiu 14 policiais e aplicou 46 punições (de advertência a até 180 dias de suspensão). Foram instauradas 231 sindicâncias e 91 inquéritos.

¿ O grande mote da operação é a auto-preservação do policial. Ele só vai poder estar bem e trabalhar bem se os maus policiais forem excluídos. Não há nenhum tipo de recompensa a ser dada dentro da operação. A maior recompensa é a recuperação da auto-estima. Por isso, determinei a ambas as polícias o aprofundamento das investigações ¿ contou o secretário.

Um dos autores do livro ¿Quem vigia os vigias?¿, publicado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), que mostra um estudo sobre o controle externo das polícias, o sociólogo Ignacio Cano, apóia a Operação Navalha na Carne, mas acredita que ela daria mais certo se a abordagem aos policiais acontecesse antes das denúncias chegarem à secretaria. Ignacio defende uma investigação ampla do patrimônio dos policiais e das empresas de segurança ligadas a eles, como forma preventiva de se combater os maus policiais. O sociólogo disse ainda que a secretaria deveria fortalecer as corregedorias.

¿ As corregedorias deveriam ter mais recursos, uma maior gratificação e garantia de estabilidade para investigar os casos¿ disse Ignacio.

Para a socióloga e pesquisadora do Cesec, Julita Lengruber, também autora do livro ¿ Quem vigia os vigias?¿, a operação representa uma luz no fim do túnel para se acabar com a corrupção na polícia. Ela acrescentou, porém, que a secretaria deveria dar mais força à Ouvidoria de Polícia e às corregedorias. Para ela, esses órgãos deveriam ter mais recursos humanos e material.

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