Título: NAGASAKI, UM CENTRO DA PAZ
Autor: Gilberto Scofiled Jr.
Fonte: O Globo, 01/08/2005, O Mundo, p. 19

Prefeito de cidade destruída em ataque nuclear pede que EUA liderem esforço pacifista

São 21h de um domingo parcialmente nublado em Nagasaki quando se ouvem os estrondos. O céu se ilumina, mas as cerca de duas mil pessoas que assistem ao clarão ¿ muitos são jovens e crianças vestidos em típicos quimonos japoneses ¿ nem fazem menção de sair correndo assustadas. Muito pelo contrário: elas batem palmas animadamente.

O horror que tomou conta da cidade em 9 de agosto de 1945, há 60 anos, quando uma bomba atômica de plutônio deixou 74 mil mortos e um número igual de feridos, é coisa do passado. Os clarões são provocados por um espetáculo de fogos de artifício, realizado no novíssimo Nagasaki Seaside Park, parte das comemorações pela paz na cidade que se encerram dia 9, com a cerimônia de aniversário do bombardeio atômico. Nagasaki, hoje, quer apenas ser próspera e feliz.

¿ Nós em Nagasaki vamos continuar a dividir com o mundo a experiência do nosso sofrimento com a bomba atômica e vamos trabalhar para fazer da cidade um centro de estudos e da promoção da paz. E fazemos um apelo aos americanos para que liderem este esforço ¿ diz Iccho Itoh, prefeito da cidade, autor da ¿Declaração de paz de Nagasaki¿.

Nagasaki teve a metade das vítimas de Hiroshima porque as condições climáticas e a geografia da região ajudaram. As nuvens sobre a cidade obrigaram o bombardeiro B-29 Bockscar a jogar a bomba de plutônio a cerca de três quilômetros do centro da cidade, onde estava a maior concentração de moradores às 11h02m do fatídico dia. E a topografia do lugar, cercado por montanhas, limitou o raio de devastação.

¿ O número de vítimas de Nagasaki foi menor que o de Hiroshima, mas nem por isso os habitantes daqui sofreram menos. Por mais que eu me esforce, toda a vez que agosto vem chegando, eu sonho com as centenas de mortos e feridos que vi naquele dia ¿ diz Katsuji Yoshida, de 73 anos, sobrevivente da bomba que, aos 13 anos, foi atingido a 850 metros do epicentro da explosão quando ia com amigos para a escola.

Vítima desfigurada pela bomba vira ativista

Uma das fotos mais marcantes do Museu da Bomba Atômica de Nagasaki é justamente a série de fotos do jovem Yoshida antes e depois da terceira operação de reconstrução de seu rosto desfigurado. Foi um ano e meio de tratamento. E durante 40 anos depois disso, Yoshida sentia vergonha de sair de casa. Trabalhar era um martírio cujo maior flagelo era encontrar o olhar das outras pessoas, geralmente assustadas com sua aparência desfigurada.

¿ Por vezes, as crianças olhavam para mim e choravam de medo. Mais doloroso que as feridas da bomba foi perder minha vida em casa com vergonha, sempre chorando e me perguntando o porquê daquilo tudo. Foi só há 20 anos que, estimulado por outro sobrevivente e ativista, Senji Yamaguchi, decidi contar minha história ¿ diz ele.

Hoje, Katsuji Yoshida é um dos mais conhecidos ativistas da paz do mundo e faz palestras ao redor do planeta contando sua história e pedindo o fim das armas nucleares.

¿ Os EUA precisam parar com os testes nucleares que ainda fazem e liderar de verdade, como a potência que são, o movimento pelo desarmamento ¿ prega.

Os recados para os EUA tanto de Yoshida quanto do prefeito Iccho Itoh têm uma razão que não é esquecida por nenhum cidadão de Nagasaki até hoje. Segundo a documentação sobre as decisões militares americanas expostas no Museu da Bomba Atômica (inclusive papéis do Projeto Manhattan), a cidade foi escolhida como alvo secundário (o primeiro era a base militar de Kokura) por ser um dos mais ativos centros da indústria naval japonesa e pelas instalações da siderúrgica Mitsubishi. Mas, nos papéis, Nagasaki também é descrita como alvo civil, cuja destruição serviria como ¿lição¿.

Como não há como mudar o passado, Nagasaki mira no futuro investindo pesado em infra-estrutura turística para dar um gás à sua economia, ainda sustentada pesadamente pela indústria naval. A cidade quer deixar de ser tachada como uma das mais pobres do Japão e igualar sua indústria turística ao porte da de Hiroshima, não apenas dando incentivos fiscais a investimentos novos, mas reformando antigos, como o Museu da Bomba Atômica. Reinaugurado em 1996 com o formato arrojado e recursos de ponta que tem hoje, o prédio, onde funciona o centro de pesquisas da paz, deve passar por nova reforma de modernização ainda este ano.

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