Título: Ponto crítico
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 02/08/2005, O Globo, p. 2

A crise mudou de patamar com as revelações que alvejaram o ex-ministro José Dirceu nas últimas horas e a renúncia do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, exemplo que deve agora ser seguido por outros deputados com o mandato ameaçado. É com a margem de manobra retórica reduzida que Dirceu irá hoje ao Conselho de Ética enfrentar uma oposição que se concentrará na exploração de seu relacionamento com o presidente da República enquanto foi o homem forte do governo.

A estratégia de tucanos e pefelistas é desconstruir a versão de que Delúbio e figuras menores do aparato partidário fizeram tudo à revelia de uma figura de tamanha ascendência sobre o partido e o governo. Mesmo sendo um político frio e de nervos testados na adversidade, Dirceu hoje será desafiado não apenas a salvar a própria pele ou a preservar camaradas de armas, como na ditadura. Do que disser dependerá a blindagem do presidente e a própria sobrevivência do governo. Tendo contra si todos os desafetos que angariou na política e mesmo dentro do PT, Dirceu agora entrou também na alça de mira de Marcos Valério. Primeiro foi sua mulher Renilda que o declarou conhecedor dos empréstimos bancários que teriam sido feitos para o PT.

Nestas últimas horas, partiram do próprio Valério os vazamentos sobre o emprego obtido para a ex-mulher Angela no BMG e o empréstimo imobiliário de R$42 mil a ela concedido pelo Banco Rural. No fim de semana ¿Veja¿ já revelara autorização de saque para Roberto Marques, um amigo de Dirceu que nega ter sido o destinatário da ordem do Banco Rural.

Valdemar Costa Neto, que precipitou o processo contra Roberto Jefferson no Conselho de Ética, renunciou ontem com um discurso de dois gumes. Por um lado, ele convalida a versão do PT, de que Valério seria o operador de um caixa dois de campanha que socorreu petistas e aliados, e não o pagador do mensalão descrito por Jefferson. Por outro, responsabilizou o PT por sua montagem, alegando inocente desconhecimento da origem dos recursos.

Por mais preparado que esteja e por maior que seja seu autocontrole, Dirceu chega baleado ao depoimento de hoje, que esperava transformar numa agressiva peça de defesa. Os últimos fatos aumentam a exigência de que assuma a responsabilidade pelo que foi feito. E mesmo que o faça, estará tocando perigosamente a linha que ainda mantém o presidente Lula preservado. Algo, porém, é certo. Dirceu não é Delúbio, não deve fazer um depoimento cínico nem se comportará como um pacote flácido, como o ex-tesoureiro. Roberto Jefferson levará bala na agulha mas pode também não sair ileso. Até agora, só tem levado a melhor. Inclusive ontem, com a renúncia de quem tentou intimidá-lo com o processo no Conselho de Ética.