Título: Novo escândalo, velha manobra
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 02/08/2005, O País, p. 3

Presidente do PL renuncia ao mandato para escapar da cassação e é elogiado por Severino

Odeputado Valdemar Costa Neto (SP), presidente nacional do Partido Liberal, renunciou ontem a seu mandato na Câmara dos Deputados para escapar da cassação. Ele é o primeiro congressista acusado de envolvimento no esquema de corrupção e pagamento de mensalão a perder o mandato, vítima das denúncias feitas há dois meses pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Em seu discurso de renúncia, no vazio plenário da Câmara, Valdemar admitiu que recebeu recursos de caixa dois do PT para pagamento de dívidas de campanha de 2002. Até ontem, ele negava isso enfaticamente.

Ele assumiu toda a responsabilidade por essas operações e isentou parlamentares e funcionários do PL de culpa. Ao renunciar, Valdemar preservou seus direitos políticos e pode disputar as eleições de 2006. Ele continua como presidente do PL. E manteve a estratégia de todos envolvidos nas denúncias em admitir apenas o crime eleitoral ¿ a prática do caixa dois.

Valdemar acusou o PT de tê-lo induzido ao erro, dizendo que não tinha razões para suspeitar da origem dos recursos que eram repassados ao PL. O presidente do PL afirmou que o PT prometeu, ainda durante a campanha eleitoral de 2002, repassar dinheiro ao PL para pagamento de dívidas de campanha da coligação entre os dois partidos. O PL compôs a chapa presidencial com a indicação do empresário mineiro José Alencar para vice de Luiz Inácio Lula da Silva.

¿ Assumo a única e absoluta responsabilidade por esse ato. Fui induzido ao erro quando aceitei receber recursos destinados à campanha, sem a devida documentação que oficializasse a doação ¿ afirmou Valdemar.

¿Jefferson é um delinqüente¿

Ele fez duras acusações a Jefferson, a quem chamou de delinquente.

¿ Não podemos permitir que um delinqüente, que foi o primeiro a ser acusado nesta Casa, possa sair livre das penas da lei e do julgamento político. Denuncio mais uma vez o deputado Roberto Jefferson pela quebra de decoro na prática de corrupção. Exijo que ele se sente na banca dos acusados para responder por seus crimes ¿ disse Valdemar.

Durante seu discurso, Valdemar foi acompanhado por parlamentares do PL, entre eles o líder na Câmara, Sandro Mabel (GO), também acusado por Jefferson de receber o mensalão. O deputado não disse quanto recebeu de recursos do PT. E afirmou depois, em rápida entrevista, que o partido está fechando esse cálculo, cujo total será anunciado esta semana.

Após o discurso, ele comentou a situação de Jefferson com os deputados liberais Miguel de Souza (RO) e Edmar Moreira (MG), ao seu lado:

¿ Ele vai é para a cadeia.

Valdemar fez outros ataques a Jefferson. Disse que o atual momento ¿atribui verdade aos mentirosos, civismo aos mercenários, sinceridade aos cínicos e virtude aos políticos mais ardilosos¿.

O presidente do PL disse que tomou a decisão há quinze dias e que a comunicou ao líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia. Antes de anunciar a renúncia, ele afirmou que devia uma satisfação aos 158.510 eleitores que votaram nele em 2002 e disse que eles não terão motivos para deixar de acreditar na dignidade e na honra de seu nome.

Severino torce pela volta de Valdemar

O ex-deputado negou que o dinheiro que recebeu do PT fosse para pagamento do mensalão. Até agora, ele vinha negando que tinha recebido qualquer recurso do PT.

¿- Entretanto, para qualquer partido, e inclusive o PL, pedirei a punição de quem se valeu de recursos públicos para desonrar o decoro parlamentar e a confiança do povo ¿ disse.

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), elogiou a decisão de Valdemar Costa Neto de renunciar a seu mandato. Ele classificou a atitude do ex-parlamentar de corajosa e, após ler o ato de renúncia, desejou que ele ganhe novo mandato ano que vem.

¿ Não posso deixar de ressaltar a prova da dignidade e da maneira correta que Vossa Excelência agiu para engrandecer o mandato popular. Espero que São Paulo o traga de volta ¿ discursou Severino.

Depois voltou a elogiar a coragem de Valdemar:

¿ Fui surpreendido com a decisão. Não deixo de louvar a sua coragem. Ele disse que errou, mas não jogou sobre seus companheiros a responsabilidade. Foi um ato de bravura que outros não tiveram.

Perguntado sobre quem eram os outros deputados que não tiveram o ato de bravura de Valdemar, Severino não citou nomes. Ele disse que não tem como avaliar se a iniciativa de Valdemar será a mesma de outros parlamentares.

Antes da renúncia, Severino, já sabendo da decisão, fez um discurso dizendo que não permitirá a execração pública de inocentes ¿à luz candente dos holofotes¿.

Severino acusou indiretamente o Palácio do Planalto de ter gerado a atual crise política. E afirmou que nenhum poder da República é tão transparente quanto à Câmara dos Deputados.

¿ A crise não se iniciou aqui. Veio de além dos meios-fios que contornam o Congresso. Somos um poder inteiramente aberto. Tanto as mazelas quanto as virtudes ficam à mostra.