Título: Artilharia contra o câmbio
Autor: Aguinaldo Novo e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 02/08/2005, Economia, p. 23

Analistas criticam valorização do real e Delfim sugere controle na entrada de capital no país

Formulador da proposta de déficit fiscal nominal zero, cuja discussão no governo acabou ofuscada pelo agravamento da crise política, o deputado Delfim Netto (PP-SP) defende agora a restrição na entrada de capitais estrangeiros de curto prazo no país. O deputado e ex-ministro da Fazenda é mais um na crescente lista de economistas a mirar sua artilharia contra a taxa de câmbio do país. Para eles, a forte queda do dólar nos últimos meses é reflexo dos juros elevados praticados pelo Banco Central e o atual nível de câmbio já prejudica as exportações.

Ao participar ontem de seminário em São Paulo, Delfim defendeu o controle de capitais para reduzir a forte valorização do real frente ao dólar. E criticou ainda a insistência do governo em usar o câmbio como âncora para administrar a inflação.

¿ Existem milhões de hipóteses (de instrumentos para o controle dos capitais). Mas uma coisa é certa: o governo está levando longe demais o uso do câmbio como instrumento de controle da inflação. E nós sabemos que isso sempre acaba mal ¿ disse.

Entre as hipóteses cogitadas pelo ex-ministro estão, por exemplo, a fixação de um prazo mínimo para a permanência dos dólares no país, numa espécie de quarentena, ou a cobrança de um imposto na saída desse capital. Para Delfim, o controle seria uma opção ao fato de a equipe econômica não abrir mão do juro alto.

¿ Há um movimento de capitais extremamente intenso, que na verdade estão interessados em fazer arbitragem (aproveitar os juros altos do Brasil na comparação com outros países). Só resolve baixando juros. Mas não pode resolver instantaneamente. Portanto, não há nada que impeça um mecanismo de controle de capital para curto prazo.

Belluzzo: câmbio flutuante é para rico

Presente no mesmo seminário, cujo tema era a capacidade de a economia resistir aos efeitos da crise política, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, também criticou a política cambial do governo. Para ele, câmbio flutuante é ¿coisa de país rico¿:

¿ País em desenvolvimento tem de ter câmbio administrado, com intervenção, como os asiáticos têm.

Ele citou como exemplo a China, que mantém o câmbio fixo e em julho, após muita pressão, valorizou sua moeda em apenas 2,11%. Na sua opinião, a China só mexerá outra vez no câmbio em cinco anos, quando achar que não haverá risco para a economia. Delfim concordou com Belluzzo:

¿ Não tem nenhum país suficientemente insensato para deixar o câmbio flutuar como flutua no Brasil.

O economista Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, é um defensor dos controles de capital. Mas criticou o que chamou de ¿lógica oportunista¿ de Delfim.

¿ No fundo, Delfim está fazendo o lobby dos exportadores, num momento em que as vendas externas crescem a um ritmo de 24% (entre janeiro e julho, frente ao mesmo período de 2004) ¿ disse Gonçalves.

Ele acrescentou que o deputado está propondo controles de capital por motivos errados.

¿ A questão central não é a taxa de câmbio, mas sim a fragilidade externa da economia do país. É preciso adotar medidas estruturais, como restringir a aplicação de estrangeiros na bolsa de valores e os investimentos de brasileiros no exterior ¿ disse.

O economista Ricardo Carneiro, da Unicamp, é favorável a restrições.

¿ Mesmo que tenha bons fundamentos, um país com extrema liberdade no câmbio perde a autonomia de sua política econômica.

Pelas contas de Carneiro, nos últimos 12 meses entraram no país de US$3 bilhões a US$4 bilhões além do volume de exportações. Ele diz que esse seria o total de capital de curto prazo atraído pelos juros altos do país. Carneiro lamentou que o Brasil tenha eliminado recentemente as poucas barreiras que restavam para o investimento de empresas e pessoas físicas nacionais no exterior. Até março, as operações precisavam ser feitas pelas chamadas contas CC-5, o que elevava o custo da transação. Mas o governo flexibilizou essas regras.

No seminário, perguntado se o governo aceitaria ou não sua proposta, Delfim respondeu que isso era ¿absolutamente irrelevante¿. O Ministério da Fazenda não quis comentar a proposta por não ter detalhes sobre ela.

O economista Ibrahim Eris, que foi presidente do BC no governo Collor, foi outro a criticar a apreciação do real no seminário. Segundo ele, somado a outras fragilidades, isso pode condenar o país a uma expansão medíocre nos próximos anos. Mas Eris acha que o controle é desnecessário.

¿ O governo tem instrumentos para eliminar os exageros do real, como comprar divisas para aumentar as reservas internacionais.