Título: `Licenciado, eu não tinha como quebrar decoro¿
Autor: Ana Cristina Campos e Ciça Guedes
Fonte: O Globo, 03/08/2005, O País, p. 5

Advogados concordam que não pode haver processo pelo suposto mensalão porque Dirceu era ministro à época

RIO DE JANEIRO e SÃO PAULO. O deputado José Dirceu (PT-SP) lembrou ontem, antes de iniciar seu depoimento no Conselho de Ética da Câmara, que estava licenciado de sua funções de deputado enquanto exerceu o cargo de chefe da Casa Civil. O relator do processo por quebra de decoro contra o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), no qual Dirceu depôs como testemunha, deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), quis saber se Dirceu estaria fazendo uma defesa prévia de um eventual processo por quebra de decoro.

¿ Não, é apenas uma leitura constitucional e jurídica que eu fiz. Estava licenciado e, portanto, não tinha como quebrar o decoro parlamentar. Sempre vou reivindicar que o regimento, a Constituição e as leis sejam cumpridas. Eu me considero absolutamente inocente e espero que o plenário da Câmara me faça justiça, se for o caso ¿ respondeu Dirceu.

Advogados ouvidos pelo GLOBO concordam que Dirceu não pode ter o mandato de deputado cassado por atos praticados quando era ministro, mas alertam que, se ele mentir em depoimentos, como Jefferson o acusou de ter feito ontem, pode-se configurar a quebra de decoro.

O professor de direito constitucional da Uerj Luiz Roberto Barroso afirma que Dirceu está correto ao dizer que, por estar licenciado da Câmara na época das denúncias, não poderá ter o mandato de deputado cassado. Segundo ele, a quebra do decoro pressupõe o exercício do mandato parlamentar:

¿ A responsabilidade do agente público se dá em função do cargo que ele está exercendo. A Constituição prevê mecanismos diferentes de sanção para parlamentares e agentes públicos do Executivo, que estão sujeitos a processo de crime de responsabilidade, que leva à perda do cargo e à inabilitação para o exercício de qualquer função pública por um período de tempo. São dois regimes jurídicos distintos e não se pode responder pelo mesmo fato duas vezes.

¿Se vier a falsear fatos ou mentir ao depor é fato novo¿

O ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Eduardo Alckmin concorda:

¿ Estando afastado das funções de deputado, não há como falar em quebra de decoro.

O especialista em direito eleitoral Ricardo Penteado alerta que, como parlamentar, Dirceu pode ser punido se for chamado a depor e mentir ou falsear os fatos:

¿ Com relação aos fatos que são objeto do Conselho de Ética, não é possível falar em eventual penalização de José Dirceu porque ele não era deputado quando os fatos se deram. Mas se concluídas as CPIs, se houver algo contra ele, a comissão deve recomendar ao órgão competente, o Supremo Tribunal Federal, que o processe. Porém, atualmente ele é um parlamentar e se vier a falsear fatos ou mentir, quando convocado a depor, aí sim, por este novo fato, poderia se sujeitar a essa penalização, à cassação.

Para Alberto Rollo, também especialista em direito eleitoral, o ex-ministro pode escapar de uma acusação de quebra de decoro parlamentar pelos atos cometidos enquanto esteve afastado da Câmara, mas não a partir do depoimento prestado ontem no Conselho de Ética. As declarações feitas no exercício do mandato poderão comprometê-lo, caso ele tenha faltado com a verdade.

¿ Se ele mentiu no depoimento, como alegou o deputado Roberto Jefferson, e isso for provado, ele poderá ser processado sim por quebra de decoro parlamentar ¿ disse Rollo.

De acordo com o especialista, os atos anteriores foram cometidos pelo então ministro da Casa Civil.

¿ Ele não estava atuando como deputado, por isto pode escapar de outras acusações e manter o mandato.

COLABOROU Soraya Aggege