Título: Um bombeiro que desce do Norte
Autor: José Meirelles Passos e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 03/08/2005, Economia, p. 25

Secretário do Tesouro dos EUA elogia Lula na crise para afastar desestabilização da região

Poucas horas antes de começar em Brasília o mais aguardado depoimento desde o início da crise política ¿ os esclarecimentos do ex-ministro José Dirceu ao Conselho de Ética da Câmara ¿ o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, John Snow, reuniu-se no Rio com executivos de grandes empresas brasileiras e americanas, como IBM, Merck, Vale do Rio Doce e Votorantim, e com nomes de peso do mercado e do governo brasileiro, como o presidente do BNDES, Guido Mantega. Snow reiterou sua confiança na economia do país.

Os elogios do secretário do Tesouro americano, que chegou ao Brasil domingo, não são mero afago diplomático. Cresce no governo dos EUA a preocupação com os efeitos das denúncias de corrupção no Brasil, não só para o governo brasileiro como também para seus vizinhos na América do Sul. O assunto é tratado com discrição em Washington. Mas fontes da área política e econômica do governo americano dizem que o principal motivo da visita é dar endosso claro e direto ao desempenho da economia sob o governo Lula.

¿ Não é uma simples coincidência ele ter agendado essa viagem num momento em que os escândalos políticos devidos à corrupção colocam em risco a imagem do país ¿ disse ao GLOBO um dos funcionários dos EUA que revelaram a estratégia.

O governo americano está preocupado em evitar que os seus próprios interesses ¿ econômicos, financeiros e políticos ¿ no Brasil e na região venham a ser perturbados pela crise atual. Há a avaliação de que o presidente Lula tem ascendência sobre o seu colega venezuelano, Hugo Chávez, que hoje é a pedra no sapato dos EUA. O brasileiro é visto, na Casa Branca, como um socialista moderado capaz de conter extremistas de esquerda na região:

¿ É claro que há diferenças de visão entre Brasília e Washington. Mas além de ser o principal motor da América Latina, o Brasil é um antigo e leal aliado nosso. Uma derrapada maior poderia perturbar toda a América do Sul ¿ disse outra fonte americana.

No Rio, assim como em Brasília na véspera, Snow respondeu com o mesmo discurso às perguntas sobre o efeito da crise política na economia.

¿ O importante é manter boas políticas macroeconômicas. Eu estive com o presidente Lula e com o ministro Palocci (Antonio Palocci, da Fazenda) e eles se comprometem a manter essas boas políticas. Eu continuo com uma perspectiva muito positiva para o Brasil ¿ disse Snow na manhã de ontem, numa palestra promovida no Rio pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Antes da palestra, Snow participou de um café-da-manhã com cerca de 30 empresários, executivos de bancos e integrantes do primeiro escalão da equipe econômica do governo brasileiro, como parte da quarta reunião do Grupo Brasil-Estados Unidos para o Crescimento.

Visita pode reabrir negociação da Alca

O discurso otimista do secretário americano foi prontamente ratificado pelo ministro Palocci, que almoçou com o Snow no Rio e, em entrevista coletiva, tratou de isolar a economia da crise política. Ele reafirmou que a economia brasileira está hoje mais robusta para enfrentar turbulências sem, no entanto, contrariar as declarações do presidente Lula, que na semana passada dissera ainda haver vulnerabilidades:

¿ Eu não conheço no mundo nenhuma economia que não tenha vulnerabilidades. É inerente ao processo a econômico.

Perguntado se as denúncias de corrupção poderiam envolver o seu nome ou o do presidente Lula, Palocci disse que ambos vão responder à opinião pública:

¿ Nós somos homens públicos, estamos sob permanente julgamento da opinião pública. Eu estou absolutamente tranqüilo em relação à minha atuação no governo.

Palocci defendeu a reforma política porque, segundo ele, a democracia no Brasil avançou mais do que as regras do sistema eleitoral brasileiro. Mas não se estendeu sobre o assunto:

¿ Sempre que entro em temas de reforma política, de atuação política, os jornais me criticam. Eu já eu fiz atividades políticas mais intensas do que hoje, mas atualmente, sempre que me dá vontade de entrar, eu tomo um banho gelado e a vontade passa.

Em Washington, há o temor de que o desmoronamento do Partido dos Trabalhadores (PT) possa desestabilizar o governo no Brasil e causar um impacto forte na economia do país. Isso poderia contaminar as nações vizinhas e prejudicar os investidores americanos:

A visita de John Snow no Brasil também abre a possibilidade de retomar as negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que estão paradas desde 2004. O próprio Snow lembrou que a recente aprovação do Cafta ¿ acordo com os países da América Central e Caribe ¿ pelo congresso americano dá ímpeto novo à Alca. Visão compartilhada pelo embaixador brasileiro nos EUA, Roberto Abdenur.

¿ A visita de Snow é uma expressão eloqüente de um crescente interesse do governo e do empresariado americano pelo Brasil.

Outro sinal do crescente interesse dos EUA pelo Brasil foi a proposta, discutida na reunião do Rio, de aumentar a participação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no financiamento a projetos de infra-estrutura para integração regional da América Latina.

Roger Agnelli, presidente da Vale do Rio Doce, que participou do café-da-manhã com Snow, afirmou que há muitas oportunidades para as empresas americanas no Brasil e vice-versa. Mas lamentou o pouco conhecimento sobre o Brasil nos Estados Unidos.

¿ Seria bom fazer uma Semana Brasil ou Ano Brasil em Washington. E mostrar que Brasília é a capital do Brasil, e somos os maior país da América Latina.

COLABOROU Fabiana Ribeiro (*) Correspondente

RELATOR DE MP DESISTE DE AMPLIAR BENEFÍCIOS, na página 26