Título: UE AMEAÇA LEVAR IRÃ À ONU
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Fonte: O Globo, 03/08/2005, O Mundo, p. 32

Relatório secreto dobra tempo que Bush diz que Teerã levaria para desenvolver bomba

PARIS e TEERÃ

Em meio à renovada controvérsia desencadeada pela decisão do Irã de retomar seu programa nuclear e pelas ameaças da União Européia (UE) de levar o país ao Conselho de Segurança da ONU se isso ocorrer, um relatório secreto da inteligência americana indica que Teerã está a cerca de uma década de poder desenvolver uma bomba atômica e ainda não é certo que tenha decidido fazê-lo. Tal período de tempo é quase o dobro da estimativa usada pelo governo do presidente George W. Bush em suas acusações de que o regime iraniano pretende construir um arsenal nuclear.

A informação foi divulgada ontem pelo jornal ¿The Washington Post¿, citando anonimamente altos funcionários do governo que teriam tido acesso ao relatório ¿Estimativas da inteligência nacional sobre o Irã¿, do Conselho de Inteligência Nacional. O informe anterior era de 2001. Contrariamente ao que afirma Bush, a inteligência americana ainda não está totalmente segura de que os aiatolás iranianos tenham optado por possuírem armas atômicas. Entretanto, diz o ¿Washington Post¿, o documento afirma que o Irã continuará por sua própria conta na trilha que no fim levará a uma bomba nuclear.

Irã diz que decisão é irreversível

Preocupados, os principais países da UE ¿ França, Alemanha e Reino Unido ¿ fizeram advertências sérias ontem a Teerã para que não reabra a usina de Isfahã, como o governo iraniano anunciou no fim de semana, sob a alegação de que o bloco europeu não cumprira o prazo estabelecido no Acordo de Paris, em 2004, para apresentar alternativas ao Irã. Ontem, o governo iraniano informou a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre a retomada das atividades de reconversão de urânio na usina, etapa prévia à produção de urânio enriquecido.

A AIEA vai reinstalar as câmeras de vigilância na usina para possibilitar sua reabertura.

¿ Esse caso iraniano é muito sério e pode começar uma crise de grandes proporções ¿ disse o chanceler francês, Philippe Douste-Blazy.

O ministro ecoou uma ameaça do premier Dominique de Villepin de acionar o Conselho de Segurança da ONU para avaliar a possibilidade de adotar sanções contra Teerã, o que aproximaria a UE da posição já adotada pelos Estados Unidos. Em Berlim, o chanceler federal alemão, Gerhard Schroeder, descreveu a decisão do Irã como ameaçadora e pediu que o governo iraniano mude seu curso de ação. Por sua vez, em Washington a Casa Branca reforçou a posição de Paris.

¿ Se os iranianos não cumprirem seus acordos e obrigações, então teremos que recorrer ao Conselho de Segurança ¿ disparou o porta-voz Scott McClellan.

Os EUA, no entanto, manifestaram satisfação de que Teerã tenha indicado que esperará alguns dias para reabrir a usina de Isfahã, enquanto a AIEA reinstala seus equipamentos de vigilância.

O Irã e a UE estão há dois anos negociando uma cooperação nas esferas política, econômica e nuclear como forma de compensação para Teerã abrir mão de seu programa de enriquecimento de urânio. Numa carta ao principal negociador iraniano, Hassan Rohani, o chefe da política externa da UE, Javier Solana, ameaçou Teerã com o rompimento dos entendimentos entre os dois lados se houver a retomada: ¿Se o Irã retomar atividades suspensas atualmente, nossas negociações chegariam ao fim e não teríamos alternativa a não ser seguir outros cursos de ação¿, advertiu Solana. ¿Por isso, apelamos ao Irã a não retomar as atividades suspensas ou tomar outras medidas unilaterais¿. Solana demonstrou preocupação de que o Irã tome um rumo de ação sem conhecer as propostas da UE ¿ que o bloco deve apresentar em uma semana ¿ e antes da posse do novo presidente Mahmoud Ahmadinejad.

Teerã tem reiteradamente negado que busque a posse de armas atômicas e alega que seu programa nuclear tem somente objetivo pacífico de geração de energia. Com base nessa posição, o governo iraniano bateu pé firme em relação à manutenção do programa.

¿ Respeitamos as regras internacionais e não renunciaremos a nossos direitos legítimos ¿ disse Hamid Reza Asefi, porta-voz da chancelaria iraniana. ¿ A época de ameaças e intimidação é coisa do passado.

O porta-voz do Conselho Supremo de Segurança Nacional, Ali Aghamohammadi, reforçou a posição iraniana sobre o reinício das atividades na usina de Isfahã.

¿ A decisão política foi tomada. A retomada é irreversível ¿ afirmou.