Título: Valério e Jefferson no comando
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 05/08/2005, O Globo, p. 2

Já não há quem arrisque palpite sobre o desfecho da crise política. As denúncias se sucedem, os canais políticos estão obstruídos e o presidente, que deveria ser o maior interessado em contorná-la, estica a corda a cada pronunciamento desafiador como o de anteontem: ¿Vão ter que me engolir de novo¿. Enquanto isso, Marcos Valério e Roberto Jefferson comandam a crise.

Isso os próprios membros da CPI dos Correios reconhecem. ¿Estamos sendo pautados pelo Marcos Valério há uma semana, seguindo as pistas por ele reveladas no ritmo e no momento que lhe interessam¿, diz o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ). Jefferson também volta à cena e realimentou a crise com novas revelações.

Com sua última denúncia, voltou a puxar o presidente para o centro do escândalo. Afirmou no Conselho de Ética que Lula recebeu o presidente da Portugal Telecom e a seguir houve a viagem de Valério (e do petebista Palmieri, nome que omitiu) a Lisboa em busca de um jabaculê para o PTB e o PT. Ontem, quando suas palavras ambíguas já resultavam até em afirmações que Lula é que os mandara viajar, Jefferson recuou ao depor na CPI do Mensalão, repetindo a profissão de fé na inocência do presidente, em seu total desconhecimento do mensalão até o momento em que falou dele, deixando-o estupefato. Mordeu e assoprou mas a oposição já pusera novamente a palavra impeachment em circulação. Não com a desenvoltura de duas semanas atrás. Agora, com verdadeiro pavor de um eventual governo de José Alencar. Mas repetindo o mantra de que Lula não podia desconhecer o monstro armado por Dirceu a poucos metros de sua sala, em parceria com Valério e Delúbio, que tantas vezes estiveram em seu gabinete. Estas revelações da agenda de Dirceu na Casa Civil, que está na internet, bem como a de que recebeu também o diretor do Banco do Espírito Santo, acionista da telefônica portuguesa, deram à oposição o sabor antecipado de sua captura.

Mas Dirceu já é só um dos nomes da crise. Ela grassa e perde qualquer horizonte de desfecho é por reinar sozinha, descolada da política enquanto prática mediadora dos conflitos ¿ o que é diferente de conchavos e abafas. E quem mais dificulta a busca de saída, diz o senador tucano Tasso Jereissati, é o presidente, que no presidencialismo deve ser o mais empenhado em domar as crises pela via política.

¿ Não me perguntem para onde vamos porque não sei. Se o presidente prefere a relação direta com as massas, voltando as costas às instituições, passa a idéia de que deseja a guerra e não a pacificação. Ele poderia até dizer que não soube de nada mas não pode fingir que não tem nada a ver com tudo isso. Poderia condenar seus auxiliares e seu partido e dizer que foi traído. Mas assumindo que tem responsabilidade pelas escolhas e que se penitencia por tê-las feito e por não ter sido mais vigilante. Mas como ele não faz isso e ainda prefere o palanque ao diálogo, Jefferson e Valério vão mesmo conduzindo a crise, não sei para onde.

Valério promete novas revelações, reclamando do calote anunciado do PT. Jefferson abriu duas novas linhas de investigação, a das conexões do valerioduto com a telefonia e com os fundos de pensão, que terão todas as suas aplicações analisadas pela CPI. Um passo, pelo menos, na busca das fontes que abasteciam o valerioduto.

Enquanto isso, as CPIs disputam os holofotes e o Conselho de Ética vai sendo abarrotado de pedidos de cassação movidos pela vendeta entre os partidos atingidos, não lastreados nas investigações sobre venda de voto e o passe partidário. Tudo isso em clima de Schadenfreud, a expressão alemã encontrada por Veríssimo para definir a indisfarçável euforia com a desgraça do PT, como se ela não tivesse o condão de contaminar o corpo político e econômico.

Aparentemente Lula dá um passo em outro sentido hoje, ao reunir-se com dirigentes empresariais que lhe proporão uma agenda mínima contra o imobilismo do governo e do Congresso.