Título: CIRO QUASE FORA
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 05/08/2005, O País, p. 4

O ministro Ciro Gomes, da Integração Nacional, atingido nos últimos dias pelo vendaval de acusações de corrupção que varre o Legislativo e o Executivo, está tão indignado que está repensando sua vida e não descarta a possibilidade de deixar o governo: ¿Pode ser que passe, mas estou com vontade de esperar uma calmaria e largar mão. Está ficando demais¿, desabafa.

A saída teria o sentido de um protesto, contra tudo o que está acontecendo a seu redor no governo, e também em defesa de seu ex-secretário-adjunto Márcio Lacerda, que pediu demissão após seu nome aparecer em uma lista de sacadores do Banco Rural.

Ele já defendeu Lacerda em nota, e repeliu a informação de que o PTB recebeu do lobista Marcos Valério R$1 milhão para sua campanha à Presidência da República, que ele classifica hoje de ¿desastrada¿. Sua questão pessoal, que considera ter sido ¿a gota d'água¿, mistura-se com o desalento que lhe vem com a constatação do que está acontecendo. Com seu estilo agressivo, Ciro Gomes desabafa: ¿Esses canalhas não podiam ter feito uma coisa dessas, não podiam ter posto o país numa situação dessas. Eu só espero que se ache o filho da puta que fez isso¿.

Ele faz questão de ressalvar a posição do presidente Lula, que considera estar isolado porque ¿todas as pessoas em quem confiou¿ estão envolvidas nas denúncias. ¿O presidente não tem nada a ver com isso. Não é possível que ele possa estar envolvido em uma estupidez dessas¿, desabafa Ciro, que revela que já conversou com Lula várias vezes e, ¿tanto no explícito, que era óbvio, quanto pelo implícito, pelo jeito que eu estou vendo, tenho segurança de que ele não estava¿.

Ciro diz que não é difícil acreditar que, mesmo todos os seus principais assessores e dirigentes do PT estando envolvidos diretamente no esquema de corrupção que está sendo revelado pelas CPIs, o presidente não esteja. ¿Eu tenho muita vivência, e fui acusado sempre de ser centralizador. Mas são poucos os administradores que chegam ao nível em que ele chegou ¿ eu já fui governador e o Lula é muito maior do que eu ¿ que têm saco para acompanhar tudo¿.

Ciro diz que, além de tudo, há também a conveniência: ¿Tem determinados serviços que você não quer fazer, e não quer saber o que estão fazendo. Mas você dá limites, não deixa sair do controle, você impõe, você quer saber o andamento, você avalia¿. Ciro admite que, neste aspecto, Lula tem uma ¿inapetência completa¿, que se traduziria pela falta de gosto ¿de traficar com político, não gosta dessas conversas moles que são muito chatas mesmo, eu também odeio, e delegou em confiança, e não supervisionou¿.

O ministro Ciro Gomes está convencido de que ¿está tudo errado¿ na condução da crise política. ¿Que alguém tenha falhado, isso é da vida. Quem errava era o PT, que dizia para o povo que ia fazer um governo de anjo. Mas não pode ser assim. Tem que ir para cima, localizar os responsáveis¿. Ele se diz ¿muito indignado¿, mas quer ter ¿pelo menos margem para refletir um pouco mais. Mas eu realmente estou cansado¿.

Ele se refere ao lobista Marcos Valério como ¿bandido¿, e se revolta com o fato de as listas que ele divulga serem publicadas nos jornais ¿com o meu retrato, o retrato do Gilberto Gil. E o presidente da Casa da Moeda está na lista e não colocam o retrato do Palocci¿. Ciro Gomes acha que a explicação para isso pode estar na revelação de que o presidente Lula gostaria de tê-lo como candidato, caso não se candidate à reeleição.

Ele diz que há muito tempo está acostumado a ser grampeado, e por isso tinha uma diretriz: ¿Não faz, não quero, eu estou sendo grampeado, está todo mundo em cima de mim, é o mundo todo¿. Na nota em que repeliu as acusações, Ciro Gomes classificou por duas vezes sua campanha presidencial de 2002 de ¿desastrada¿, e explica: ¿A partir de mim mesmo, que disse muita besteira, a partir da aliança política imbecil que eu montei, a partir das loucuras que aconteceram¿.

A coligação Frente Trabalhista reunia PPS-PDT-PTB, e logo no início da campanha o então presidente do PTB, o falecido José Carlos Martinez, foi afastado por denúncias. E passou a pressionar pela renúncia de Ciro quando sua candidatura começou a fazer água. Ciro atribui essa briga política à acusação de Pedro Martinez, de que o PTB teria repassado R$1 milhão para a campanha.

¿Foi uma campanha desastrada, mas limpa¿, garante ele. Ciro diz que nunca admitiu que alguém fizesse besteira ¿não por moralismo, é que tenho inimigo demais¿. Ele lembra de uma entrevista que deu durante a campanha, onde explicou por que seu irmão era o tesoureiro. ¿É exatamente por isso, porque o meu irmão, se fizer alguma coisa, fui eu que fiz. E não fez, porque eu não permito, porque ele sabe que meus telefones são grampeados a vida inteira¿.

Segundo Ciro, seu ex-secretário-adjunto Márcio Lacerda ¿é um cara absolutamente limpo, não pegou um centavo dessa gente. Ele é um milionário de Minas Gerais que tinha uma coisa da política porque foi preso, virou meu amigo há 7, 8 anos atrás. Só me ajudou, só gastou dinheiro para me ajudar, só se sacrificou para me ajudar¿.

Ciro garante que o pagamento para a empresa de publicidade New Trade, que pertence a seu cunhado, responsável pelo marketing de sua campanha, foi feito com nota fiscal, por trabalhos feitos no segundo turno da campanha eleitoral para Duda Mendonça.