Título: Gtech: ex-diretores foram vítimas de extorsão
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 05/08/2005, O País, p. 14

CPI dos Bingos acredita que empresa pagou comissão para garantir renovação de contrato com Caixa Econômica

BRASÍLIA. Dois ex-dirigentes no Brasil da multinacional Gtech confirmaram ontem, em depoimento na CPI dos Bingos, que a empresa foi vítima de extorsão em 2003, na renovação de um contrato com a Caixa Econômica Federal. O ex-presidente Antônio Carlos Lino Rocha e o ex-diretor Marcelo Rovai, que atualmente é gerente-geral da multinacional no Chile, acusaram o então assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, homem de confiança do então ministro José Dirceu, e o ex-secretário municipal de Ribeirão Preto (SP) Rogério Tadeu Buratti, que ocupou o cargo na gestão como prefeito do agora ministro da Fazenda, Antônio Palocci, de cobrarem propina de R$6 milhões para garantir a assinatura do contrato.

Eles negaram que a Gtech tenha pago propina, mas não conseguiram convencer membros da comissão, uma vez que o contrato acabou sendo renovado. A CPI aguarda agora a chegada dos dados da quebra de sigilo bancário da empresa.

Waldomiro se encontrou com presidente da Gtech

Segundo os ex-dirigentes da Gtech, Waldomiro chamou o presidente da empresa para um café da manhã no dia em que seria assinada a renovação, em 1º de abril de 2003. O convite teria sido feito na véspera. O encontro ocorreu no hotel Blue Tree, em Brasília, e Rovai também compareceu. Waldomiro Diniz teria dito que estava ali como ¿mensageiro¿ e que o contrato só seria assinado se a Gtech contratasse um consultor, que mais tarde procuraria a empresa.

Curiosamente a Caixa adiou a assinatura para o dia seguinte. Nessa data, Rovai encontrou-se com Buratti no Blue Tree. Segundo ele, o ex-secretário de Palocci, que foi demitido da prefeitura em 1994 ao ser flagrado conversando sobre a distribuição de obras com um empreiteiro, não usou meias palavras ao fazer a proposta de corrupção, afirmando que o desconto oferecido pela Gtech na negociação com a Caixa poderia ter sido inferior a 15%.

¿ Ele (Buratti) foi direto ao assunto e falou: ¿Vocês são otários. Vão dar 15% de desconto. Se tivessem me contratado antes, podia ser 8% e a diferença ficava para mim. Agora vão ter que dar o desconto de 15% à Caixa e me pagar do mesmo jeito¿ ¿ teria dito Buratti, segundo o relato de Rovai.

O ex-diretor da Gtech disseque Buratti demonstrava ter poder e dispunha de informações internas da Caixa sobre o andamento da negociação, inclusive sobre o adiamento do dia da assinatura. O valor da propina inicialmente giraria em torno de R$20 milhões, caindo mais tarde para R$6 milhões.

¿ O senhor Buratti demonstrou uma tranqüilidade, uma arrogância de quem tinha as costas quentes ¿ afirmou Rovai.

Renovação do contrato foi assinada em abril de 2003

Após idas e vindas e algumas alterações no contrato, a renovação acabou sendo assinada no dia 8 de abril de 2003. Segundo os ex-dirigentes, eles tiveram certeza de que Waldomiro fazia parte do esquema quando, depois disso, voltaram a encontrar-se com o assessor de Dirceu e lhe disseram que Buratti não seria contratado como consultor. Waldomiro teria ficado surpreso.

Rovai afirmou ainda que o então vice-presidente de Tecnologia da Caixa, Paulo Bretas, encarregado da negociação com a Gtech juntamente com o assessor especial da presidência do banco, Carlos Silveira, saberia da extorsão:

¿ O Bretas falou que estava chateado, porque sabia que alguém tinha ganhado dinheiro.

Relator está convencido de que empresa pagou propina

O relator da CPI, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), ficou convencido de que a Gtech pagou propina para obter a renovação do contrato. Há indícios de que a empresa teria estabelecido uma negociação com Waldomiro e Buratti. O então presidente da Gtech, por exemplo, aceitou encontrar Waldomiro a pedido do empresário de jogos Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira. A quebra de sigilo telefônico mostrou que Rovai ligou quatro vezes para Buratti e recebeu outras seis ligações do ex-secretário de Ribeirão Preto entre 2 e 9 de abril de 2003, período de assinatura do contrato, firmado no dia 8 de abril.

¿ Não acreditei (que a Gtech tenha deixado de pagar propina). Vamos buscar as provas na quebra do sigilo bancário ¿ disse Garibaldi.

O líder do PT no Senado, Tião Viana (AC), disse que o contrato da Gtech com a Caixa expõe relações sombrias entre o poder público e empresas privadas, pois a Gtech opera o sistema de processamento de dados das apostas em loterias federais desde 1997, sem nunca ter participado de uma licitação.