Título: SEM MEDO DO DÓLAR BAIXO
Autor: Eliane Oliveira/Liane Thedim/Vagner Ricardo
Fonte: O Globo, 05/08/2005, Economia, p. 23

Apesar da queda de 13,15% da moeda no ano, exportadores elevam previsão de superávit

Odólar comercial teve ontem a oitava queda consecutiva e fechou em R$2,305, a menor cotação desde 12 de abril de 2002. Durante o dia, a moeda chegou a ficar abaixo de R$2,30 ¿ taxa considerada pelo mercado uma espécie de piso para a divisa ¿ e foi negociada a R$2,294. À tarde, voltou a subir, mas ainda assim encerrou em baixa de 0,25% em relação à véspera. Nos últimos oito dias, a queda acumulada é de 6,38% e, no ano, de 13,15%. Mas isso não parece ser capaz de segurar as exportações brasileiras. A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), que há meses faz intensa campanha contra a valorização do real frente ao dólar com o argumento de que o câmbio estaria afetando o desempenho do setor, aumentou em US$10 bilhões sua estimativa de superávit para este ano, de US$32,113 bilhões para US$42,133 bilhões.

Segundo a AEB, as vendas externas devem chegar a US$114,555 bilhões, mantendo a safra de recordes históricos iniciada em 2000. É justamente o fluxo positivo de entrada de recursos no país provenientes de exportações ¿ e também de investidores estrangeiros em busca de ganhos com os juros de 19,75% ao ano pagos pelo títulos públicos, o que corresponde a 14% reais (acima da inflação), os mais altos do mundo ¿ que vem derrubando a cotação do dólar, mesmo com a crise política no país. Analistas afirmam que, nos últimos meses, sempre que a moeda sobe, uma enxurrada de dólares de exportadores à espera de melhores cotações invade o mercado.

¿ A economia mundial está crescendo fortemente e absorvendo produtos brasileiros em grande quantidade, mesmo que os preços estejam mais altos para compensar a queda do dólar ¿ afirma Sandra Utsumi, economista-chefe do BES Investimento.

De acordo com o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro, a alta demanda externa por commodities ¿ especialmente básicos e semimanufaturados ¿ exportadas pelo Brasil vem se mantendo. As cotações internacionais destes produtos, diz ele, também estão altas.

Analista: crise atinge investimentos

Ao mesmo tempo, as importações, que em tese seriam beneficiadas pelo dólar baixo e elevariam a procura pela moeda americana no país, não crescem ao mesmo ritmo, por causa do desaquecimento da demanda do mercado interno. A AEB projeta US$72,422 bilhões em importações este ano, o que, segundo Castro, será um novo recorde, mas, ainda assim, um resultado decepcionante. O montante estimado de US$14,884 bilhões para a aquisição de bens de capital no exterior, por exemplo, é inferior aos valores recordes de US$16 bilhões em 1997 e US$16,057 bilhões em 1998, disse Castro.

O desaquecimento doméstico apareceu nas projeções de crescimento do país para este ano, que vêm sendo reduzidas. Quarta-feira, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) anunciou uma previsão de 3% para o Brasil este ano. Ontem, foi a vez de especialistas presentes a uma conferência do Conselho das Américas, em São Paulo afirmarem que esperam expansão de apenas 2,5% para o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todos os bens e serviços produzidos no país) brasileiro em 2005, uma das menores taxas da América Latina. O motivo principal para a desaceleração seria, segundo eles, a crise política, que estaria dificultando a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária. A previsão do governo é de 3,4%. Em 2004, a economia cresceu 4,9%.

¿ As incertezas políticas estão atrasando a aprovação de projetos importantes pelo governo e fazendo as empresas adiarem seus investimentos. Com isso, elas mantêm o dinheiro em caixa, investido em juros. Também houve desaceleração no volume de captações externas, porque não há apetite no setor produtivo por novas dívidas ¿ afirma Sandra Utsumi.

No mercado financeiro internacional, a procura por títulos brasileiros se manteve alta ontem. O Global 40, o principal papel do país negociado no exterior, teve alta de 1,44%, para 120,10% do seu valor de face, o maior desde o dia 15 de julho. Em um ano, o Global 40 acumula ganho de 24,32%. Já o risco-Brasil, que mede a confiança dos investidores estrangeiros no país, caiu para 385 pontos centesimais ¿ uma queda de 0,77% em relação ao dia anterior. É a menor taxa desde os 386 pontos registrados em 9 de março deste ano.

¿ O país está se beneficiando de um ambiente econômico internacional único. O mundo está crescendo com força, há uma liquidez enorme, ao passo que outros mercados oferecem um retorno péssimo, se comparado ao oferecido pelo Brasil. Apesar da crise política, não há indicações de mudanças na política econômica, e isso mantém o apetite dos investidores. Nossa vela está com furos, mas o vento está a favor ¿ diz Rafael Guedes, diretor da agência de classificação de risco Fitch.

Ontem, também beneficiou o Brasil a notícia de que o Banco da Inglaterra cortou a taxa de juros do país em 0,25 ponto percentual, para 4,5%, a fim de estimular o consumo e os investimentos das empresas. Foi o primeiro corte em dois anos, que ocorre em meio a uma rápida desaceleração do crescimento econômico. Segundo a economista-chefe do BES Investimento, esse é um mercado de referência mundial, e a redução dos juros beneficia investimentos em países emergentes.

Além disso, a Standard & Poor¿s (S&P) disse ontem que a crise política inviabilizou a elevação da classificação de risco do Brasil por parte da agência, mesmo que o escândalo do mensalão ainda não tenha afetado a estabilidade macroeconômica do país. Como a agência afirmou que, se não fosse a crise, o rating do país já poderia ter subido, o mercado recebeu bem a notícia, já que reforça a visão dos investidores de que os fundamentos econômicos estão fortes.

Para Régis Abreu, gestor de renda variável da Mercatto Gestão de Recursos, além dos títulos da dívida, o mercado de ações também vai continuar a se beneficiar da grande liquidez do mercado mundial.

¿ O juro global ainda está reduzido, apesar do movimento de alta gradual das taxas básicas dos Estados Unidos, e os países emergentes aproveitam esse quadro favorável. O Brasil tem empresas sólidas negociadas na Bolsa, taxas de juros altas, risco-país cada vez menor, tornando-se um mercado alternativo para os investidores estrangeiros ¿ explica Abreu.

Ontem, os investidores da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) dividiram as atenções entre o depoimento do deputado Roberto Jefferson na CPI do Mensalão e o comportamento dos mercados americanos. Mas as declarações do deputado, poupando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e garantindo não ter mais denúncias a apresentar, fizeram os investidores continuar deixando de lado a crise política e seguir o mercado externo. Resultado: a Bolsa fechou em queda de 0,91%, resultado semelhante ao das bolsas americanas. O Dow Jones caiu 0,82% e o Nasdaq, 1,15%.