Título: Empresários pedem ação em vez de discursos
Autor: Cristiane Jungblut/Martha Beck
Fonte: O Globo, 06/08/2005, O País, p. 12

Principais entidades empresariais apresentam agenda mínima para manter crescimento em reunião com Lula

BRASÍLIA. Representantes das principais entidades empresariais do país se reuniram ontem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir formas de blindar a economia contra a crise política. Depois do encontro, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, afirmou que a blindagem não se faz por meio de discursos ou atos de vontade e sim com ações que mostrem aos investidores que governo e Congresso continuam trabalhando pela estabilidade e pelo crescimento.

A resposta se contrapõe à atuação do presidente Lula, que vem reagindo à crise com discursos em que ora afirma que a economia está imune à crise e ora afirma que ela precisa ser protegida porque é vulnerável.

- Não se blinda economia com medidas artificiais, nem com discurso, nem com atos de vontade, mas sim se cada poder continuar a cumprir minimamente o seu papel. Queremos que o governo governe e que o Congresso legisle, independentemente do processo político, que tem a sua dinâmica própria - disse Monteiro.

O grupo de empresários, formado pelas confederações nacionais da indústria (CNI), agricultura (CNA), comércio (CNC), instituições financeiras (CNF) e transporte (CNT) e pela Ação Empresarial, entregou ao presidente uma proposta de agenda mínima, com os projetos considerados prioritários para manter o crescimento e a boa percepção dos investidores.

- Os fundamentos da política econômica são muito mais sólidos hoje do que eram em outros momentos de crise. A agenda mínima é para que os agentes econômicos continuem percebendo o Brasil como um país que funciona minimamente - disse Monteiro.

Risco se houver desequilíbrio

Segundo ele, o comportamento do mercado financeiro está mostrando que a economia ainda não foi atingida, mas isso pode mudar na hora em que os agentes econômicos perceberem que há desequilíbrio nas condições de governabilidade.

- Na hora em que os agentes econômicos perceberem que há desequilíbrio na governança, aí sim poderá haver risco - disse o presidente da CNI.

A proposta de agenda mínima é dividida em seis áreas: infra-estrutura, sistema tributário, ambiente regulatório, reforma do Estado e gestão, inovação e sistema político. São propostas já anunciadas pelo governo, mas ainda não implementadas.

Os empresários propõem, que o governo crie o fundo garantidor das Parcerias Público Privadas (PPPs) e dê andamento ao projeto da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. Segundo Monteiro, a intenção dos empresários com a agenda mínima não é aproveitar o momento de crise para pressionar o governo a cumprir antigos pleitos do setor. A redução da taxa básica de juros, diz ele, uma eterna batalha do setor, não foi discutida diretamente na reunião com Lula.

Mas a agenda sugere o aumento da meta de superávit primário em 2005, hoje em 4,25% do PIB, como forma de o governo controlar seus gastos e pressionar menos a inflação, o que criaria condições para a redução das taxas de juros.

O presidente da CNA, Antônio Ernesto de Salvo, apresentou uma agenda específica do setor. O coordenador da Ação Empresarial, Jorge Gerdau Johannpeter, disse que o país precisa fazer reformas estruturais mantendo a estabilidade econômica:

- Temos de dar continuidade ao processo de estabilidade econômica. Não podemos perder isso.

Crise não atingirá economia, diz Lula

Palocci e Meirelles destacaram os bons resultados no quadro econômico

BRASÍLIA. Em encontro com 22 dos maiores empresários do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que tem confiança de que a crise não vai atingir o governo em seu núcleo e que a economia continuará seguindo seu curso descolado das turbulências políticas. Lula fez um apelo para que o setor empresarial não deixe de proclamar sua confiança no Brasil e disse aos empresários que a melhor resposta à crise é trabalhar e governar. Presentes à reunião, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, fizeram uma avaliação positiva do quadro econômico.

Segundo o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, Lula estava sereno e considerou que há uma "certa exacerbação do processo político", mas argumentou que isso não está impedindo o governo de trabalhar. Lula disse ainda que continuará viajando pelo país, como fez nas duas últimas semanas.

- A mensagem do presidente para os empresários foi: critiquem o governo quando quiserem, mas não deixem de proclamar a confiança no país. A principal mensagem do governo foi mostrar que os fundamentos da economia se mantêm sólidos e que não se justifica uma perda da confiança na economia por conta da crise política - disse Armando Monteiro, porta-voz do grupo, na saída do Palácio do Planalto.

Na reunião, Palocci e Meirelles destacaram o bom resultado da balança comercial, o controle da inflação e a solidez da situação fiscal. Os empresários disseram ao governo que os investimentos serão mantidos e que ninguém suspendeu ou cancelou aplicação de recursos por causa da crise política.

- O presidente disse que montou o governo em três anos e que agora está na hora de inaugurar (as obras) - afirmou o presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Antônio Ernesto de Salvo.

Para Monteiro, Lula estava tranqüilo:

- O presidente nos revelou uma postura muito serena. Ele disse que o processo das investigações deve ter curso normal, que há uma certa exacerbação do debate político, o que é natural, mas que o governo tem que seguir governando.

Apesar das críticas à elite, Lula busca, por um lado, apoio popular com as viagens pelo interior do país, e, por outro, o apoio de empresários. Na reunião, Palocci e Meirelles afirmaram que há tendência de queda da taxa de juros e que não haverá mudanças na política cambial. Os 22 empresários que participaram da reunião receberam um documento da Fazenda com os números da economia.

"Não acho que reuniões blindem a economia"

Palocci disse, após o encontro, que o governo está seguro e que a economia não tem sido e não será afetada pela crise porque o país tem maturidade que permite melhorar os indicadores econômicos mesmo diante da turbulência política.

Apesar de os empresários terem dito após a reunião que o presidente procurou tranqüilizá-los em relação à situação política, Palocci negou que o encontro tenha sido para tentar blindar a economia.

- Não estamos carecendo de medidas de blindagem e eu não acho que reuniões blindem a economia. O que blinda é o equilíbrio da inflação, das contas fiscais e fundamentos sólidos - disse o ministro, ressaltando que o governo tem tradição de reunir-se com vários setores da sociedade.

Na reunião, os empresários pediram medidas para evitar que a taxa de câmbio continue prejudicando os exportadores. Mas Palocci disse que o câmbio flutuante prestou importantes serviços ao país e é uma convicção da equipe econômica:

- O governo não atuará para tentar posicionar a moeda de uma forma ou de outra. Achamos que o câmbio flutuante cumpre o seu papel.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, disse que os empresários reclamaram também dos juros altos. Palocci negou que o assunto tenha sido tratado.

"A mensagem do presidente para os empresários foi: critiquem o governo quando quiserem, mas não deixem de proclamar a confiança no país"

ARMANDO MONTEIRO , Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

AGENDA DOS EMPRESÁRIOS

As propostas:

INFRA-ESTRUTURA: Reduzir as incertezas regulatórias, criar o fundo garantidor das Parcerias Público-Privadas (PPPs), definir o marco regulatório do setor de saneamento, criar um comitê de monitoramento de obras prioritárias da área de transportes

SISTEMA TRIBUTÁRIO: Dar andamento à segunda fase da reforma tributária, ampliar os benefícios previstos na MP do Bem (estimula investimentos e cria incentivos fiscais), ampliar prazo de recolhimento de tributos para dar maior capital de giro às empresas

AMBIENTE REGULATÓRIO: Buscar mecanismos que garantam a estabilidade de regras, a transparência e a objetividade de estudos de impacto ambiental; reformar o sistema brasileiro de defesa da concorrência, reformular as normas vigentes sobre práticas contábeis e demonstrações financeiras das empresas para dar maior transparência ao mercado

REFORMA DO ESTADO E GESTÃO: Consolidar um sistema de gestão estável, eficiente e profissional, aumentando a proporção de cargos de confiança ocupados por funcionários de carreira; melhorar a qualidade dos gastos públicos; aumentar a meta de superávit primário de 2005, hoje em 4,25% do PIB, para reduzir gastos do governo e as pressões sobre a inflação, e criar condições para a redução dos juros

INOVAÇÃO: Ampliar as medidas tributárias que estimulem pesquisa e desenvolvimento, e concluir regulamentação da Lei de Biossegurança

SISTEMA POLÍTICO: Aperfeiçoar a legislação eleitoral para estimular a fidelidade partidária, a transparência do financiamento de campanhas e a redução do custo das campanhas

Legenda da foto: LULA COM o empresário Jorge Gerdau (à esquerda) e o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Armando Monteiro: projetos para o crescimento