Título: `Lula está numa posição muito perigosa¿
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 07/08/2005, O País, p. 18

O brasilianista mais famoso, estudioso da América Latina há 50 anos, diz que a crise atual é diferente de todas as outras

O professor Thomas Skidmore, o mais famoso brasilianista, autor de ¿Brasil: de Getúlio a Castelo¿, é observador atento das crises brasileiras desde 1961, quando chegou pela primeira vez ao país em plena ressaca da queda de Jânio Quadros. Apesar de semi-aposentado e passando longos períodos na sua casa de praia em Long Island, Skidmore está atualizado com a política de Brasília e diz-se decepcionado com Lula, que, para ele, está numa posição muito perigosa e vulnerável. Ele acha cinismo a tese de que o PT caiu no velho esquema de corrupção com o objetivo nobre de aprovar medidas para o bem do povo, mas reconhece que o atual sistema partidário está falido.

Como o senhor analisa a crise em que o governo do PT está envolvido?THOMAS SKIDMORE: É curiosa esta crise, se comparada com as do passado: as crises de 45 e 54, depois a de 64. Desta vez, é uma crise política que não tem nada a ver com a economia. Nos outros casos, houve sempre um problema no balanço de pagamentos, algo sempre ligado ao corredor exterior do Brasil. Neste caso é curioso porque é completamente causado pelo governo mesmo, o Brasil está indo muito bem no balanço de pagamentos e nas exportações. O senhor compararia esta crise com a que levou ao impeachment do presidente Collor?SKIDMORE: A comparação mais óbvia é com o Collor. Ele tinha destruído a confiança no Estado, muito antes da crise. Também tinha arruinado a classe política e a crise girava muito em torno da pessoa dele, era óbvio que ele estava pegando dinheiro público através do PC Farias. No caso de Lula, até agora ninguém está dizendo que ele recebeu dinheiro. O caso do Lula é muito mais difícil, o problema é conseqüência da estrutura do Congresso. A Constituição de 88 deu flexibilidade para os deputados mudarem de partido e isso fez a estrutura do Congresso frouxa. A disciplina dos partidos é fraca e o governo precisava negociar muito para fortalecer sua base de apoio. Pelo visto, os assessores de Lula acharam que a única solução para isso era pagar, não em termos de patrocínio, mas em dinheiro para os deputados. Uma tentativa de consertar um sistema que está falido, a meu ver.Qual é a saída para Lula?SKIDMORE: É difícil de dizer. Provavelmente ele precisaria de um gesto simbólico para mostrar ao público que tem liderança. No momento, ele está numa posição muito perigosa e muito vulnerável. Está falando essas bobagens, que ninguém tem gabarito para discutir ética com ele. É uma pena, porque há tantos anos estamos esperando um reforço da democracia no Brasil e agora acontece isso. É uma tristeza, não sei se tem saída. O senhor acredita num impeachment?SKIDMORE: Fala-se nisso já? Sempre que houve impeachment no Brasil, um partido tomava a frente para derrubar o presidente. A UDN fez duas vezes isso, com Vargas e Jango. O próprio PT fez isso com Collor. Com Lula, o maior inimigo seria o PSDB e não a direita. Acho confuso o panorama. O futuro próximo vai depender da personalidade do Lula. Ele, que tinha muito pouca experiência política, tem de responder a esta crise com solução criativa. Não sei se tem essa capacidade. Que conseqüências essa crise política pode ter para o Brasil?SKIDMORE: O mais perigoso seria a falta de crescimento na economia, o que criaria uma insatisfação pública. Lula fez a campanha com promessas de justiça social para o povo. Imediatamente depois de eleito, adotou a política do FH. Num certo sentido, desvalorizou o seu próprio partido.Uma ala do PT tenta explicar o que aconteceu dizendo que corrupção é uma espécie de graxa do capitalismo. O senhor concorda?SKIDMORE: Isso é uma velha história. Lembro-me que quando comecei a estudar a América Latina, há 50 anos, dizia-se que pagar propina para policial era uma maneira de melhorar a situação social. O PT deve ter sido seduzido pelo velho sistema da corrupção e pensou: ¿Vamos fazer isso para fazer o melhor para o povo¿. É uma justificativa, mas é também um cinismo. O senhor está decepcionado com Lula? SKIDMORE: Estou. O mais triste de tudo isso é que o PT tinha uma promessa de governar com ética que foi jogada fora. A questão é que isso cria uma desmoralização, passa-se a achar que todo mundo é corrupto, o que não é verdade. Isso é perigoso.O próprio Lula disse que sempre se fez isso no Brasil¿SKIDMORE: O Lula está parecendo muito arrogante, manteve a popularidade mas isso não dura para sempre...Como o establishment americano está vendo esta crise no Brasil?SKIDMORE: (Risos) Os EUA em geral não dão a menor atenção. Para os americanos, é mais importante o Brasil estar pagando a dívida. Sempre houve um ceticismo nos EUA sobre a possibilidade de Lula fazer a reforma social. O senhor diria que nos EUA também existe uma confusão entre o público e o privado, entre os negócios do Estado e os interesses empresariais?SKIDMORE: Claro, acontece muito. Eu moro num lugar, Long Island, que é o mais corrupto de todos. A nossa prefeita está no xadrez. Também tivemos nos EUA muitos casos de corrupção nas empresas, esses executivos que roubaram as corporações.